quarta-feira, novembro 29, 2006

CORRIDA MÍSTICA - QUEM SOU EU?

Saindo da sessão de yoga, meto-me no boguinhas de regresso a casa. Paz e serenidade, o carro leva-me suavemente, vou entrando em Monsanto, meu local de treinos. Ocorre-me então que vinha mesmo a calhar uns 11 km de corrida… Já estava ali, fato de treino e ténis adequados, porque não aproveitar? Ontem não tinha treinado as 3 horas por causa da constipação, mas hoje estou melhor, porque não?
Um pequeno desvio e entro no parque de estacionamento do Centro Ambiental. Curiosamente, o parque de estacionamento está deserto e tudo está silencioso. Reparo que, embora sendo só 21 horas, não me cruzei com nenhum automóvel no percurso de Monsanto, desde a Cidade Universitária até ali. Sinto um qualquer mistério calmo no ar, uma atmosfera especial que não sei descrever.

Fecho o carro, ligo o cronómetro e arranco. O meu corpo, preparado pela sessão de Yoga, está prontíssimo para a corrida e lá vou eu. Na estrada deserta, a mata é banhada pela luz amarela dos candeeiros. Primeiro, o troço é a descer e vou acelerando. Da mata, vem-me o pio duma coruja. Curioso, sempre corro ali à noite, sempre ouvi as corujas, mas hoje aquele pio era diferente, mais nítido e envolvente. Aproxima-se a subida… Esta subida, de curvas e contracurvas, é o calvário dos corredores. A princípio, via-me aflito mas agora, subo-a toda a correr e nos fins de semana, divirto-me a ultrapassar os ciclistas de Domingo que acabam por se apear, estoirados, sem fôlego para mais. Mas agora a estrada está deserta, aquela luz amarela, neste estranho dia de hoje, ilumina dum modo diferente, transformando a paisagem num cenário de desenho animado, de Branca de Neve, de Capuchinho vermelho, de Gata Borralheira… Passada a curva, um sobressalto: Lá adiante, a uns 200 metros, um lobo.

Um lobo em Monsanto??? Bom, não sei, estes ecologistas radicais bem capazes disso são, coelhos não faltam, já introduziram os esquilos, se calhar introduziram lobos também, para fechar a cadeia ecológica… Resolvo adoptar a minha estratégia para os cães, essa ameaça dos corredores: Não mostrar medo, prosseguir o caminho com decisão. Assim vou avançando e aproximando-me do bicho. Deveria meter-me por um desvio na mata, discretamente evitá-lo, mas curiosidade e um sentido de poder faz-me prosseguir. O lobo está agora a uns 100 metros mas, quando avanço mais, ele entra num galope curto e volta a afastar-se, mantendo a distância. Olho à volta, procuro um pau, uma pedra, quem sabe se ele me ataca?

Existem uns calhaus na berma escavada, ramos caídos mais dentro da mata, bom, se houver azar, terei que usar alguma arma. Sinto-me um homem das cavernas, quase outro animal. Aproximo-me da berma e meço com olhar os pedregulhos, são demasiado grandes. Um tronco é mais manuseável, olho os ramos caídos, para apanhar um sem parar de correr. Mas reparo que o lobo prossegue com o rabo entre as pernas, mirando-me de esguelha. Está com medo de mim!
De facto, cresce em mim a sensação de poder, de força, como sempre quando o meu organismo já está quente e a corrida entra em velocidade de cruzeiro. Resolvo acelerar, o lobo entra novamente a galope e ganha distância. Desaparece na curva e eu sigo-lhe no encalço. Volto a vê-lo, está de novo a uns 150 metros mas parou, atravessado na estrada, agora o rabo arqueado para cima, e…ladra!

Não é um lobo, é um cão, mas já não tem medo de mim, ladra e não sai do meu caminho! Sem mostrar medo, aproximo-me e reconheço o local e o cão: Aqueles são os cães que guardam uma das casas da guarda-florestal, geralmente dentro da vedação. Só que este, o maior, hoje está cá fora e pronto a proteger o seu território!
Tento fazer uma diagonal que evite o cão, sem me desviar ostensivamente. O cão continua a ladrar, mas eu resolvo prosseguir, embora sinta a tensão e a adrenalina a aumentarem dentro de mim. O cão persegue-me, no mesmo ritmo da minha passada, o focinho dele escolta-me a centímetros das minhas pernas…Ai, pressinto a mordidela e transporto-me para umas dezenas de anos atrás, uns milhares de quilómetros para Sul. Norte de Angola, 1969, perto do quartel de Zala: O tiroteio irrompe no vale, só me resta correr colina acima, para os abrigos, as balas a baterem no chão ao meu lado, e eu antevendo a dor quente dum tiro certeiro nas costas. Que não veio. Nem mordidela. O cão, cumprida a sua missão de proteger a casa do dono, deixa-me em paz.

A inclinação da estrada muda, atingi o ponto mais alto, agora é a descida suave. Acelero de novo, rumo ao parque de merendas. Finalmente, gente? Não, há lenha e carvão ainda incandescente num grelhador, mas os comensais já se retiraram. Mesmo no Inverno, imigrantes usam estes grelhadores para preparar as suas refeições. Até com tempo a ameaçar chuva, como hoje. Passo sobre a autoestrada, em baixo vão carros, mas, entre as rotundas, cá em cima, nada. Estranho!
Aproximo-me do Anfiteatro Keil do Amaral, uma bela esplanada virada para o Tejo, toda a outra banda, a Ponte e, ao longe, Palmela, Sesimbra, o céu iluminado de Setúbal. Que maravilha! Passo ao lado do restaurante de Montes Claros e inicio o retorno, vou agora sob o viaduto da auto-estrada, corro entre a mata de altos pinheiros. Corujas de novo! Será a mesma? Não, são outras avisando da minha presença. Depois da curva, nova paisagem deslumbrante, agora, os bairros periféricos do Norte de Lisboa, o seu luzeiro entre a neblina. Lá, chove, troveja, vejo relâmpagos e os trovões distantes, que soam também estranhos, mas familiares e amigos.

Acelero na descida, a passada enérgica e cadenciada, o bater violento do coração, a respiração forte e ritmada leva-me, o corpo todo entregue às mil e uma impressões e de dentro de mim, vem um canto:

Foooo – fá! Foooo – fá!
Foooo – fá! Foooo – fá!
Eu sou o ar e a respiração
Eu sou o lobo, eu sou o cão
Eu sou a estrada e sou o chão
Sou o relâmpago e o trovão

Foooo – fá! Foooo – fá!
Foooo – fá! Foooo – fá!
Inspiração, expiração
Eu sou a luz, a escuridão
Eu sou a pedra, a escavação
Eu sou amor e a solidão!



Álvaro Costa

sexta-feira, novembro 03, 2006

A RELAÇÃO MENTE-CORPO E A ADAPTAÇÃO AO TREINO

TEXTO DA AUTORIA DE STEPHAN SEILER


EXTRAÍDO DO SITE home.hia.no/~stephens/brnbody.htm



Porque a maior parte dos fisiologistas do esforço centram a sua atenção nos músculos e na fisiologia sistémica, temos tendência para tratar o cérebro como uma misteriosa caixa negra, mas essa atitude está a mudar. Por mim, começo a reconhecer que preciso de aprender mais sobre o impacto do exercício sobre o cérebro, e o impacto da actividade cerebral na actividade física.
Neste texto, tentarei expor algum do material proveniente de 25 anos de trabalho do Dr.Heinz Liesen. Ele foi médico da selecção nacional alemã de futebol a qual, apesar das suas modestas capacidades, alcançou a final da taça do Mundial em 86 e 90. Foi também médico da equipa de Hóquei de Campo e da equipa do Combinado Nórdico (combinação de corta-mato e saltos, em esqui). Hoje, centra-se de novo na medicina preventiva. O conhecimento que adquiriu, resultante do acompanhamento de determinados atletas (e de pessoas activas não atletas) durante vários anos, com extensa monitorização da reacção imunológica, dos esquemas de treino, do desempenho físico e até da localização da actividade das ondas cerebrais, é único nessa área. Algum do material exposto baseia-se também no crescente corpo de conhecimentos produzido nos Estados Unidos e na Alemanha.


O Cérebro É o Centro do Desempenho Desportivo


Depois de tanto se falar de coração e músculos, pode parecer uma asneira dizer isto, mas é uma realidade: O cérebro, ao mesmo tempo que desencadeia todos os nossos movimentos voluntários, reage à tensão criada pelo próprio exercício. E, até certo ponto, a tensão aparece como uma qualidade omnipresente. O cérebro reage à tensão provocada pelo trabalho, condução, treino, competição. O impacto sensível desta tensão, pode-se revelar de várias maneiras:

Níveis de Catecolamina em Repouso - O treino adequado tende a causar a predominância parasimpática (repouso e recuperação) no atleta bem preparado. Contudo, se os esforços do treino forem demasiados, os níveis da hormona simpática (a da luta ou projecção) mantêm-se altos mesmo quando em repouso, o que é sinal de recuperação incompleta. Uma manifestação exterior desta alteração é um ritmo cardíaco elevado em repouso, embora existam outros sinais mensuráveis mais sensíveis que este. Outra característica do ritmo cardíaco em repouso é um certo grau de irregularidade: Existe uma variação considerável nas batidas, podendo medir-se pequenas variações do intervalo entre batidas sucessivas. É um facto que esta variação diminui, perante a expectativa duma tarefa, pois o estímulo simpático aumenta.

Razão Testosterona/Cortisol – A Testosterona é uma hormona anabólica, que desempenha um papel na regeneração e reparação do músculo e dos tecidos. O Cortisol é uma hormona catabólica que estimula a desagregação dos tecidos. Por exemplo, o nível de cortisol é elevado em situações de fome extrema, quando o tecido muscular é catabolisado para se converter em energia. Os níveis de testosterona tendem a ser maiores em indivíduos com elevada capacidade de treino duro e rápida recuperação (e naqueles que a recebem através de injecção). Os níveis de testosterona são naturalmente mais baixos nas mulheres do que nos homens (Cerca de 10 vezes menos). Em muitos estudos, a razão testosterona/cortisol mostrou ser um indicador dum estado de estagnação e sobrecarga de treino em atletas de alta competição.

A Função do Sistema Imunológico – Sistema Imunológico é uma designação simples dum sistema celular adaptável interno, que responde à invasão de substâncias estranhas e as elimina, ou minimiza a sua capacidade de replicar. A resposta do sistema Imunológico a uma invasão estranha pode-se modificar, na sua rapidez e na sua magnitude. O exercício cria mudanças drásticas e permanentes na função do sistema Imunológico. O exercício violento mostrou causar uma depressão transitória de certos componentes do sistema Imunológico, criando uma janela de susceptibilidade à infecção de várias horas após um esforço extremo. A tensão dum exercício intenso tem um efeito bifásico na função imunológica. Isso demonstra-se de vários modos:
Primeiro, a incidência das infecções do tracto respiratório superior (ITRS) diminui com o exercício moderado, mas aumenta nos atletas em treino duro (curva em J). Em segundo lugar, a amplitude da resposta imunológica a um determinado antigénio diminui em atletas sobrecarregados. Existem equipamentos de diagnóstico que permitem a aplicação controlada de 7 alergénios na pele do antebraço. A área total das consequentes reacções da pele dão a medida quantitativa do vigor do sistema Imunológico dum determinado indivíduo. Estas medições são de rotina em muitas equipas nacionais na Alemanha e Escandinávia.
Talvez a informação mais interessante que lhes posso fornecer seja também a que me é mais difícil de compreender, com os meus diminutos conhecimentos da química do cérebro: Parece que a mente interage com o sistema Imunológico e modula a resposta imunológica. Isto foi rotundamente demonstrado pelo Dr. Liesen. Comparando o sangue extraído imediatamente antes, e 1 hora depois de um diagnóstico inesperado, mas causador de tensão, observou mudanças bem evidentes na capacidade de resposta dos leucócitos sanguíneos. Esta modelação mental da função imunológica aparenta envolver a libertação, pelo cérebro, de compostos químicos específicos imuno-modeladores, em resposta ao estímulo emocional.

Perfis Psicológicos – Foram desenvolvidos vários instrumentos de pesquisa que parecem ser sensíveis às mudanças emocionais que acompanham ou precedem as modificações psicológicas e de desempenho associadas a um estado de sobrecarga. Esses instrumentos vão detectar a corrente disposição, a ansiedade, a qualidade do sono, o desejo de treinar, etc.

O Que É O Exercício Físico

Abaixo está o modelo apresentado pelo Dr. Liesen, baseado na sua experiência e investigação, ilustrando o potencial dos efeitos positivos e negativos do exercício físico na saúde e no desempenho de topo.

No mundo actual do desporto de alta competição, a verdadeira limitação à melhoria contínua deslocou-se, da quantidade do treino, para a capacidade de recuperação da mente e corpo. Muitos atletas da elite treinam 50 semanas por ano, por vezes 3 – 4 horas por dia. Quando esta violenta pressão física se combina à tensão das cada vez mais frequentes competições para satisfazer patrocinadores e comunicação social, e com a tendência para retirar tempo ou interesse ás distracções mentalmente criativas, os resultados são desastrosos. O que de facto vemos, se observarmos atentamente, é a súbita aparição de figuras extremamente talentosas, seguida, dois ou três anos mais tarde, do declínio das suas capacidades, ou mesmo da sua retirada de cena. Por detrás desses esgotamentos precoces está geralmente um treinador ou uma secção desportiva demasiado exigente.
O sucesso das equipas e dos atletas individuais dirigidos pelo Dr. Liesen não foi devido a uma intensificação do seu treino. Pelo contrário, a aplicação cuidada de mais treino “ de recuperação” de baixa intensidade e até mesmo dias de descanso total foi a chave.
Um jornal citou recentemente o atleta Bjorn Dahlie: ”Um dia sem treino é um dia sem valor”. Três semanas depois, ele teve de se retirar do campeonato nacional, por doença. O descanso é importante.
Importa também o modo como descansamos: Por exemplo, O Dr. Liesen observou que os atletas de futebol tinham tendência para, entre as sessões de treino, se limitarem a refastelar-se e a ver televisão, ficando as suas mentes quase num estado de vegetal. Para lhes aumentar a criatividade mental, levou os membros das suas equipas a visitar museus, a estudar línguas, a fazer peças de artesanato, isto, no auge dos treinos e da Taça Mundial. Os resultados foram excepcionais: Modestas equipas alemãs chegaram à final do Mundial em 1986 e 1990 (esgotando só aí as suas capacidades, em ambos os casos). O seu sucesso deveu-se, em larga medida, ao facto de se terem mantido saudáveis e fortes ao longo de todo o campeonato.
Quando observamos o modelo acima, vemos que o nível de exercício e a actividade mental criativa são, ambos, potenciais factores de bom desempenho e boa forma física. Quando construímos um programa de treino, temos que considerar a mente assim como o corpo.
O atleta típico não treina o mesmo volume que os atletas de elite. Então, poderemos pensar, “O excesso de treino não me afecta, porque só treino 12 horas por semana”. Mas, temos uma profissão, filhos pequenos, uma hora de ponta no trânsito, todos os dias; devemos então perguntar-nos: Todas as nossas sessões de treino são intensas? Será que cada corrida que fazemos se tornou numa prova de competição? Outras das nossas actividades de tempos livres desapareceram? Quando não estamos a treinar, estamos a pensar no treino...? Se respondeste sim à maior parte destas perguntas, há que reavaliar o nosso programa de treinos e o modo como encaramos o exercício.

A estratégia a longo prazo

Na Escola e ao nível académico, no mundo inteiro, o tempo está sempre a contar. Os atletas sentem a pressão para atingir o seu máximo “já nesta temporada”. Em muitos casos, isso conduz a ciclos anuais que não têm em conta o sequente desenvolvimento do atleta "depois". Mas, um atleta maduro, deve sempre lembrar-se de que está nesta jogada para o longo prazo: o treino é um processo prolongado de aprendizagem e de aperfeiçoamento físico e técnico. As medalhas vão para os que conseguem combinar talento e paciência, intensidade com inteligência. Em última análise, independentemente do nível de desempenho de cada um, o prazer do atletismo é mais doce quando serve para apurar na nossa vida, não apenas o nosso VO2 máximo...!

TEXTO DA AUTORIA DE STEPHAN SEILER
EXTRAÍDO DO SITE home.hia.no/~stephens/brnbody.htm

Trad. do inglês, de Álvaro Costa
aleddd@gmail.com
Com colaboração da Drª Clementina Figueiredo

quarta-feira, outubro 25, 2006

Sobre o treino Moffetone

tradução de Álvaro Costa e José Carlos Jorge
Quer Velocidade? Vá Devagar!
Pelo Dr. Maffetone
O monitor de ritmo cardíaco (1) ainda é um companheiro de treino subavaliado e mal compreendido: Hoje em dia, muitos corredores têm monitor, mas não tiram dele o proveito correspondente ao seu custo.
Na verdade, os HRM são apenas unidades de bio-resposta (2). O Dicionário Médico de Dorland define bio-resposta como “o processo que fornece informação audio-visual sobre o estado duma função do corpo humano de modo a poder-se exercer controle sobre essa função”, Como estudantes nos anos 70 envolvidos num projecto de investigação, medimos as respostas do ser humano a vários estímulos psicológicos; sons, efeitos visuais e uma variedade de estímulos físicos, incluindo a actividade física. Avaliaram-se as reacções observadas, medindo-se a temperatura, a transpiração e o ritmo cardíaco. Tornou-se evidente que o uso do HRM para medir objectivamente uma função corporal era simples, preciso e muito útil. E era obvia a sua aplicação no desporto. Para mim, foi o começo dum longo processo de utilização dos HRM nos atletas.
No começo dos anos 80, eu utilizava esses monitores em três aplicações importantes:
• O treino
• A auto-avaliação
• A corrida
O Treino
O uso de HRM no treino tem dois aspectos importantes. O primeiro de todos é que os atletas de resistência têm que construir uma boa base aeróbica, uma noção promovida décadas atrás pelo o famoso treinador de corredores Arthur Lydiard. A segunda coisa a ter em conta tem a ver com o ritmo cardíaco específico seguido no treino e com a maneira como um corredor determina o seu importante valor. Vejamos cada um desses aspectos por si:
Construção duma base aeróbica quer dizer treinar apenas na zona aeróbica. Durante o período da construção da base excluem-se treinos anaeróbicos (incluindo corrida). A actividade anaeróbica falseará o desenvolvimento eficiente na base aeróbica, pelo que todos os treinos são exclusivamente aeróbicos. Isso inclui a sessão longa de Domingo, o correr no sobe e desce dos parques florestais e qualquer outro treino em que haja uma forte influência de outros corredores ou do próprio terreno. Para além disso, o período da construção da base anaeróbica não tem levantamento de pesos, uma vez que o halterofilismo é também uma actividade anaeróbica.
Existem várias razões porque os treinos anaeróbicos podem inibir a construção da base aeróbica:
• O treino anaeróbico pode diminuir o número de fibras musculares aeróbicas, por vezes de forma significativa. Bastam, para isso, umas poucas semanas de treino a ritmo elevado demais.
• O ácido láctico produzido no treino anaeróbico pode inibir as enzimas musculares aeróbicas necessárias à construção da base aeróbica.
• O treino anaeróbico eleva o quociente respiratório. Isto significa que aumenta a percentagem de energia derivada do açúcar e diminui a queima das gorduras. Com o passar do tempo, isto pode forçar a mais metabolismo anaeróbico e a menos, aeróbico.
• O stress também pode inibir o sistema aeróbico. O stress é quase sinónima de treino anaeróbico. Stress excessivo eleva os níveis de cortisol, o que acaba por aumentar os níveis de insulina, inibindo a queima das gorduras e aumentando a utilização do açúcar, promovendo o metabolismo anaeróbico e inibindo a actividade anaeróbica.
O treino da base aeróbica é, muitas vezes, um período em que o treino de disciplina, dedicação e trabalho duro são primordiais. A maior parte dos atletas acham que estes três atributos têm a ver com dureza, grande esforço e sofrimento. Mas torna-se frequentemente bem mais duro que isso: O treino correcto durante a base aeróbica é, para muitos atletas, o mais difícil do meu programa: É a capacidade de correr devagar, não obstante o que os outros atletas possam estar a fazer ou a dizer. Nas provas mais longas, 95 a 98% da energia gasta vem do sistema aeróbico. É esta outra razão para eu recomendar que a maior parte do treino dirigido à melhoria deste processo.
A construção duma boa base aeróbica leva cerca de três meses. Para corredores que perderam a sua capacidade competitiva, que têm problemas crónicos (lesões, doenças), ou que não conseguem perder o peso que têm a mais, uma base mais longa – até seis meses – pode operar maravilhas.
Mas põe-se a questão: Que ritmo cardíaco usar para o treino aeróbico? O mais importante do treino com HRM será o saber qual o ritmo cardíaco a utilizar. Todos conhecemos a fórmula 220 menos a idade, multiplicada por 65 – 85%. Mas este método não tem fundamento. O ritmo cardíaco máximo duma pessoa deve ser de 220 menos a idade. Contudo, quem já se lançou numa pista ou numa corrida para chegar ao seu ritmo cardíaco máximo, terá descoberto, tal como mais de metade das pessoas, que não é o que a fórmula prevê. E depois, a percentagem: qual adoptar – 65%, 75%, 80%? Em vez de nos deitarmos a adivinhar, podemos usar uma fórmula nova, fundamentada cientificamente. Vejam mais adiante o texto sobre a Fórmula 180, que fixa o melhor ritmo cardíaco para a construção duma base aeróbica.
No começo, o treino a este ritmo cardíaco causa tensão emocional ao atleta. “Não consigo treinar assim tão lentamente!” é um comentário muito comum. Mas dentro de pouco tempo, não só se sentirá melhor, mas também a sua passada será mais rápida ao mesmo ritmo cardíaco. Um benefício significativo da aplicação da Fórmula 180 ao treino é a resposta bioquímica do corpo: A produção de radicais livres é mínima, comparada com a corrida a ritmos mesmo um pouco superiores. Estas substâncias químicas podem contribuir para problemas degenerativos, inflamações, doença do coração e câncer, para já não falar no acelerar do processo de envelhecimento. Usando a Fórmula 180, pode-se correr mais sem se arriscar a entrar em tensão bioquímica.
A Fórmula 180 Para achar o ritmo cardíaco máximo (aeróbico):
1. Subtrair a idade de 180 (180-idade).
2. Modificar este número segundo uma das seguintes situações:
• Para quem convalesce de uma doença grave /Coração, uma operação, um internamento hospitalar) ou está com uma medicação prolongada, subtrai-se 10;
• Para quem nunca treinou ou treinou mas ficou lesionado, retoma a corrida após um interregno, ou tem alergias ou está frequentemente constipado, subtrai-se 5;
• Para quem pratica desporto há dois anos sem problemas e só se constipa uma ou duas vezes por ano, subtrai-se 0;
• Para quem tem praticado por mais de dois anos sem qualquer problema e vai progredindo na competição sem problemas, soma-se 5.
Por exemplo, quem tem 30 anos e cai na segunda situação, acima: 180-30=150 e 150-5= 145. É este o seu ritmo cardíaco aeróbico máximo. Para uma construção de base aeróbica eficiente, deve treinar dentro ou abaixo desse valor durante todo o período de treino.
Auto-Avaliação
Um benefício significativo da construção duma base aeróbica é a capacidade de se correr mais depressa com o mesmo esforço, isto é, com o mesmo ritmo cardíaco aeróbico. E uma vantagem do uso do HRM é a possibilidade de medir objectivamente estas melhorias, utilizando o teste da função aeróbica máxima (MAF) (3).
O teste MAF mede objectivamente a evolução da velocidade aeróbica durante a construção da base. Velocidade aeróbica significa que se pode correr mais depressa com o mesmo ritmo cardíaco aeróbico. Normalmente, julga-se que apenas o trabalho anaeróbico dá velocidade. Mas os desenvolvimentos aeróbicos também dão e sem o desgaste que muitas vezes acompanha o treino duro. Faz-se o teste MAF numa pista com o HRM, correndo ao ritmo cardíaco máximo (aeróbico). Três a cinco milhas fornecem dados seguros, embora o teste de apenas uma milha seja suficiente. Faz-se o teste depois de um aquecimento ligeiro.
Abaixo está um exemplo concreto dos resultados obtidos com um corredor praticando o teste MAF ao ritmo cardíaco de 150:
Milha 1 8:21
Milha 2 8:27
Milha 3 8:38
Milha 4 8:44
Milha 5 8:49
Durante qualquer teste MAF, é normal os tempos aumentarem, sendo a primeira milha sempre a mais rápida e a última, a mais lenta. Se assim não for, quer dizer que não se fez um aquecimento prévio adequado. Para além disso, o teste deve mostrar tempos mais rápidos à medida que as semanas de treino passam. Por exemplo, em quatro meses, pode-se ver o progresso da resistência neste caso concreto:
Abril Maio Junho Julho
Milha 1 8:21 8:11 7:57 7:44
Milha 2 8:27 8:18 8:05 7:52
Milha 3 8:38 8:26 8:10 7:59
Milha 4 8:44 8:33 8:17 8:09
Milha 5 8:49 8:39 8:24 8:15
Este progresso geralmente só se verifica na base aeróbica. Se se acrescentar trabalho anaeróbico ou corrida ao ritmo de treino próprio de cada atleta, o progresso não será tão bom, ou, mesmo, não haverá progresso nenhum.
Execute-se o teste MAF regularmente, ao longo de todo o ano e registem-se os resultados individuais. Recomendo que se faça o teste de três em três ou de quatro em quatro semanas. A maior vantagem do teste é a possibilidade de nos informar objectivamente de qualquer obstáculo muito antes de se sentir algo ou dele acontecer na forma de uma lesão ou de um decréscimo de desempenho. Se alguma coisa interfere com o progresso – treino inadequado, má dieta, tensão excessiva – não se quererá ficar à espera que algo desagradável aconteça, quando já for tarde.
O teste MAF avisa-nos, fornecendo tempos demasiado baixos, meses antes de os problemas acontecerem.
Corrida
Outro aspecto importante do HRM e do teste MAF é que o teste permite prever os resultados. Há uma relação directa entre o ritmo aeróbico e o esforço na corrida, por outras palavras, se os resultados do teste MAF melhoram, melhorará a capacidade na corrida. Os dados obtidos com centenas de corredores durante vários anos tornaram evidentes que o desempenho dum corredor ao ritmo do máximo aeróbico está na proporção directa do ritmo de competição.
A tabela abaixo, baseada em dados reais, ilustra a relação entre o MAF e o desempenho numa corrida de 5 quilómetros:
ritmo de
ritmo de MAF competição MAF competição 5Km
Minutos / milha // Minutos / Km // tempo
10:00 7:30 6:13 4:40 23.18
9:00 7.00 5:36 4:20 21:45
8:30 6:45 5:17 4:12 20:58
8:00 6:30 4:59 4:02 20:12
7:30 6:00 4:40 3:44 18:38
7:00 5:30 4:21 3:25 17:05
6:30 5:15 4:03 3:16 16:19
6:00 5:00 3:44 3:06 15:32
5:45 4:45 3:35 2:57 14:45
5:30 4:30 3:25 2:48 13:59
5:15 4:20 3:16 2:42 13:28
5:00 4:15 3:07 2:38 13:12
O uso do monitor de ritmo cardíaco como guia ao longo dos períodos de construção de base aeróbica não só ajudam a se ficar com saúde, mas também, a se alcançar o melhor desempenho possível, durante muitos anos.
O Dr. Philip Maffetone tem treinado muitos atletas de nível mundial e atletas de vários escalões, na maior parte dos desportos, por mais de 20 anos. O seu livro mais recente é Na Saúde e Na Boa Forma e o seu novo livro, Treino Para A Resistência, tem a saída prevista para Dezembro (Barmore Productions, 607-652-7610).
Concedida autorização de divulgação, desde que dela se dê conhecimento ao autor, à FootNotes e à Road Runners Club of América.
Traduzido do inglês, por José Carlos Carreira Jorge e Álvaro Costa. Concedida autorização de divulgação da tradução, desde que indicados os tradutores.
Notas dos tradutores:
(1): HRM, de “Heart Rate Monitor”
(2): biofeedback, em inglês
(3): MAF, de Maximum Aerobic Function
Em 2005, o seu último livro chama-se The Maffetone Method: The Low-stress, No-pain Way to Exceptional Fitness de Agosto 1999
Fix Your Feet: Build the Best Foundation for Healthy, Pain Free Knees, Hips and Spine de Janeiro de 2004 um livro sobre fisioterapia
O Dr Maffetone foi considerado o Treinador do Ano em 1994 pela Triathlete Magazine e também foi considerado pela Inside Triathlon uma das 20 pessoas + influentes nos desportos de endurance

sexta-feira, outubro 20, 2006

Texto sobre Ken Wilber - Filósofo americano a ter em conta, sem preconceitos!




Ken Wilber – Conceitos Básicos

Victor MacGill (
macgill@es.co.nz)
(Trad. de Álvaro Costa - alvaro_ccosta@iol.pt)


Holon

Um Holon é qualquer porção do universo que seja um todo consistente por si próprio, mas que é, necessariamente, parte inteira de um sistema mais vasto que o inclui.

Por exemplo, cada átomo é um holon. O átomo, em si, é inteiro; tem uma forma concreta que sabemos ser a mesma onde quer que se encontre. Mas os átomos podem agrupar-se, formando moléculas. As moléculas são constituídas por átomos; as moléculas incluem-nos. As moléculas são mais complexas que os átomos. As moléculas também são holons, porque são intrinsecamente um todo e podem organizar-se formando uma célula viva; as células também são holons que podem formar um órgão do corpo; os órgãos dum corpo podem formar um ser vivo, etc., etc....

Graus de Consciência

A vida desenvolve-se por uma sucessão de estádios, sendo cada um, um holon que inclui o estádio anterior e que se vai incluir no estádio seguinte (1). Caminha-se de um estádio, para o seguinte, não se podendo saltar nenhum: Por exemplo, em termos de desenvolvimento interior, existem quatro níveis básicos:

Consciência Única: Tudo é visto como um todo. Sem qualquer limite;
Organismo Total (Centauro): Existe uma linha de separação entro nós próprios e o universo exterior (o próprio + o exterior = consciência única);
Nível do Ego: Desenha-se em nós próprios uma fronteira entre o ego e o corpo (ego + corpo = o próprio)
Nível do Persona(2): Traça-se uma separação entre a persona e a sua sombra (persona + sombra = ego)

Estes quatro níveis podem desdobrar-se em sete, que correspondem ao nosso sistema de chacras. Desenvolvendo mais o espectro de Wilber, é possível englobar vários sistemas de descrição de níveis num conjunto coerente.

Os Quatro Quadrantes

Há quatro aspectos a considerar em cada nível de consciência: Primeiro, temos que considerar os aspectos do Individual e do Colectivo, bem como os do Interior e do Exterior. Juntos, constituem os quatro aspectos:

Individual Individual
Interior Exterior

Colectivo Colectivo
Interior Exterior

Para que todo o sistema funcione bem, todos os quatro quadrantes têm que operar eficiente e equilibradamente; por exemplo, para que qualquer sociedade funcione bem, tem que preencher:

As necessidades interiores do indivíduo –
Os seus impulsos, expectativas, desejos, autoconfiança (Esquerda Superior);
As necessidades exteriores do indivíduo –
Alimentação, roupa, abrigo (Direita Superior);
As necessidades Interiores da sociedade –
As crenças, objectivos comuns e a sua visão do mundo (Esquerda Inferior);
As necessidades exteriores da sociedade –
Educação, saúde, estrutura económica, instituições (Direita Inferior).

Se qualquer destas necessidades não for satisfeita, estabelece-se o caos nessa sociedade.

Ao avançarmos e subirmos no espectro da consciência, verificamos que qualquer distorção no equilíbrio entre os quadrantes afectará o sistema dum modo próprio de cada nível de evolução em que essa distorção ocorre. Por exemplo, no mundo de hoje temos negligenciado as necessidades exteriores do nosso planeta, poluindo-o. O resultado deste desequilíbrio é a destruição da forma exterior do nosso planeta Terra.

A Dialéctica de Hegel

Foi Aristóteles que primeiro desenvolveu a ideia da tese, antítese e síntese. Mais tarde, Hegel reformulou–a como a Dialéctica: Sempre que algo de novo surge, (tese), como quando se alcança um novo nível de existência, desenvolve-se concomitantemente uma sombra que parece contrariá-lo (antítese). Estes dois aspectos opostos têm que ser entendidos por uma compreensão mais abrangente que supera a tese e a antítese (síntese).

Este processo explica como se evolui ao longo do espectro. Entramos em algo de novo e esforçamo-nos por o compreender: Wilber chama a este estádio, pre-convencional; quando o compreendemos, estamos no convencional. Mas, ao compreende-lo, surge a antítese, vemos que a tese não estava totalmente correcta e avançamos, ultrapassando a compreensão anterior, para o pós-convencional, para a síntese.

Exemplo: Quando apareceu a escravatura, no estádio pre-convencional, esta apresentava-se como uma inovação maravilhosa. Permitiu construir estruturas como as pirâmides e foi parte integrante do tecido social das sociedades durante milénios, enquanto foi aceite – enquanto foi convencional. Depois, aconteceu que chegámos à conclusão de que não prestava e abolimo-la. Então, aí, alcançámos o estádio pos-convencional.

A Planália

Wilber usa o termo Planália (3) para descrever o que acontece quando se ignora ou subestima um ou mais quadrantes. A ciência descreve o nosso mundo externo. A ciência é a visão do mundo que mede a nossa “realidade”. O que quer que não se possa de medir de modo nenhum é ignorado, como irreal e sem valor. Valores, sentimentos e intuição não têm lugar no mundo da ciência. Os cientistas criaram uma terra rasa, onde todo o lado esquerdo dos quatro quadrantes foi laminado para o lado direito. Quanto mais a ciência o faz (tese), tanto mais reagem as pessoas, que não estão preparadas para viver nessa Planália poluída (antítese).

Podemos também criar uma Planália quando nos separamos de níveis mais elevados de consciência. Uma sociedade tribal geralmente faz uma nítida distinção entre os que pertencem ao grupo e os que lhe são exteriores. Ao negar uma condição igual aos de fora, estão a criar uma Planália. Geralmente existem regras rigorosas obrigando à cooperação dentro do grupo, como a proibição de exercer violência sobre qualquer dos seus membros, mas incentiva-se a violência sobre estranhos, em particular se eles podem constituir uma ameaça. Criaram uma panália, ao ignorar a humanidade comum que todos partilhamos.

Onde Errámos, Aqui No Ocidente

A nossa visão científica da vida criou uma grande Planália. Em ciência não existe “eu”. Um cientista não diz “eu procedi a uma experiência” mas, sim, “procedeu-se a uma experiência”. Desapareceu a pessoa do cientista. Não há lugar para pensamentos e sentimentos, só existem medições das coisas. O lado esquerdo interior dos quadrantes é apagado e laminado para o lado direito. O lado material da nossa vida é tudo, o espiritual e interior não é nada. O mundo interior foi abandonado e perdemos o que nos liga à integridade do mundo. Perdeu-se Gaia e ela começa a queixar-se.

Descendente/Ascendente

A vida é o fluxo e refluxo de duas correntes; A energia ascendente é dominada pelo masculino e procura alcançar o Céu, negando a parte física; O cristianismo é fundamentalmente uma religião ascendente. A energia ascendente evita as emoções. A energia descendente é dominada pelo feminino e procura fazer o Céu na terra; As religiões de deusas são religiões descendentes; a energia descendente expressa-se por emoções.

Na vida, precisamos dum equilíbrio entre energia ascendente e energia descendente. Temos que nos elevar a novas alturas, mas mantendo os nossos pés bem firmes na terra. Também criamos Planália quando negamos qualquer destas duas correntes de energia.


Notas:
(1) Segundo KW, cada holon tem a capacidade de acção e participação, autodissolução e autotranscendência, pelas quais mantém a sua integridade, conservando os seus sub-holons, e desempenha o seu papel como parte do holon de grau imediatamente superior (capacidades horizontais), ou se separa, decompondo-se nos seus sub-holons, ou se supera (capacidades verticais), adquirindo qualidades superiores incluindo as qualidades úteis do seu estado anterior (N.T.).

(2) Segundo C. Jung, persona é a pessoa, tal como se representa perante os outros; a sombra, é a sua parte mais primitiva, animalesca, muitas vezes remetida para o inconsciente (N.T.).

(3) Flatland, em inglês (N.T.).



Os Vinte Princípios


1 Todo o Real é composto por holons e, não, por coisas ou processos;

2 Os holons apresentam quatro capacidades fundamentais:

a) Auto-sustentação;

b) Auto-adaptação;

c) Auto-transcendência;

d) Auto-dissolução;

3 Os holons surgem;

4 Os holons surgem holarquicamente;

5 Cada holon emergente transcende, mas inclui o seu predecessor;

6 Os de nível inferior determinam as possibilidades dos superiores; os de nível superior determinam as probabilidades dos inferiores;

7 “O número de níveis duma determinada hierarquia estabelece a sua profundidade ou superficialidade; ao número de holons presentes num determinado nível chamaremos extensão” (A. Koestler);

8 Cada nível sucessivo de evolução produz mais profundidade e menos extensão;

9 Se se destruir qualquer um tipo de holon, destruir-se-ão todos os holons que lhe são superiores e nenhum dos que lhe são inferiores;

10 As holarquias evoluem em conjunto;

11 O inferior interrelaciona-se com o superior ao longo de todos os níveis;

12 A evolução tem, numa dada direcção:

a) Maior complexidade;

b) Maior diferenciação/ integração;

c) Maior organização/ estruturação;

d) Maior autonomia relativa;

e) Maior perfeição.




Nota:
Do prefácio da segunda edição de Sex, Ecology, Spirituality: “O capítulo 2 destaca “vinte princípios” comuns aos sistemas emergentes ou em crescimento, onde quer que os encontremos. Muitas pessoas contando-os e, achando-os menos que vinte, perguntam se saltaram algum. Depende simplesmente do que se contou como sendo um princípio. Eu conto 12 princípios: o número 2 contém quatro, e o número 12 contém cinco, o que faz dezanove, ao todo. Ao longo do livro, adiciono mais, o que faz vinte e dois. Mas um ou dois dos princípios, não o são propriamente, são apenas definições (p. exemplo, o princípio 7 e talvez o 9). Teremos então os tais vinte princípios ou características da evolução. Mas o número vinte, em si, não tem nada de especial; refere-se apenas a alguns dos mais evidentes tropismos, sentidos ou tendências da evolução.”

Fonte: Ken Wilber, Sex, Ecology, Spirituality, 1995, pp. 35 a 78.




segunda-feira, outubro 16, 2006

Texto que publiquei no forum do mundo da corrida (ver link)

Sobre a Minha Primeira Maratona

A partida foi o início duma solenidade que vinha preparando desde o início do ano. O Dr. Moffetone pôs-me a correr a 7 minutos/km durante três horas e meia, pendulando entre o Cais do Sodré e a Cruz Quebrada. Fiquei a saber o que é correr sozinho tanto tempo, aperfeiçoei abastecimentos sólidos e líquidos. Depois dessa preparação psicológica, lá para Maio, o Eduardo Santos disse que chegava de Moffetone, que ficaria coxo para o resto da vida, enfim, fui para a aeróbia, no sobe-e-desce de Monsanto, progressivamente aumentando os tempos até às 3h30, culminando na Meia de Ovar, em que bufei os 21km em 1 hora e 47, meu recorde pessoal...
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E agora cá vou eu, a Ana Pereira, foi minha madrinha da corrida, cuidadosa comigo e sempre a incentivar-me, fizemos um grupinho coeso até aos 21km. Mas eles estavam acelerados demais para as minhas contas. Gostava de fazer a prova em menos de 4 horas, mas sair dos 6m/km a que me habituei parecia-me arriscado…
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É que estava a desvirginar-me de Maratonas (Ainda obrigo o Jorge Teixiera a casar comigo)! O máximo que tinha feito foi 30km (do Olivença-Elvas) isso eu já sabia como era, mas, mais 12 em cima dos 30km?!
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Talvez pudesse ter continuado com o grupo da Ana, puxávamos uns, pelos outros, acabaria, sim, mas como? Resolvi deixar-me ir no meu passo, eles, incluindo a minha madrinha, lá se foram distanciando e fiquei só com a paisagem. Que maravilha!
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Gosto muito do Porto, das terras e da gente, carago! Vir a correr para a prova e partir de volta a Lisboa foi um bocado pena, apetecia-me ficar mais dois ou três dias, voltar a passear calmamente o percurso, curtir as impressões de novo…
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Mas que nada, havia de tocar para a frente. E tudo bem organizado, bons abastecimentos, assistência médica, massagens, fruta, isotónico, passas, laranjas, bolachas, água, esponjas… Eu lá fui enfiando o que podia, para além das minhas armas secretas que passei a comer depois dos 21, uns waffers revestidos a chocolate a que me habituei em Monsanto e de que trouxe provisão do saco da Meia de Ovar.
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Gaia, a ponte para lá, público simpático, incentivos, ponte para cá: Feita a meia, ia começar a travessia do deserto. A estrada agora em silêncio, tap-tap-tap das sapatilhas. Tapete e retorno… para me distrair, mando bocas ao pessoal em sentido contrário. Às duas por três, alcanço uma bifa dos Plumstead Runners, jeitosinha, tive pena de a ter que ultrapassar, mas a vida é assim, ainda lhe mandei uma boca “Come on, You’re such a plum!” que mereceu a retribuição dum sorriso e dum simpático “thank you”. Lembro também uma finlandesa adejando a sua bandeira que cruzei algumas vezes. Como o último era um finlandês, penso que ela esperava por ele. Último na corrida, mas com uma bela compensação terrena, deve ser feliz…
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Enfim, isto, são pensamentos avulsos do que me ocorreu nesta experiência da minha vida, iniciada com a estreia na mini da Ponte 25 de Abril, em 1998…
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Depois duns empedrados que ultrapassei garbosamente, aproximei-me da “parede” dos 37 km… O mar entra em cena, que beleza, mas aí veio o Mostrengo (Obrigado, Fernando Andrade, era essa mesmo a imagem que não me ocorria e de que precisava aqui). De facto, foi ai que encarei o Monstro da Maratona, que me fez por três vezes largar as mãos do leme, duvidar da empresa, pensar em desistir, recear: ”não vou conseguir…” Um pensamento segredado a medo para mim próprio, uma angústia fininha, a ligar-se aos mil medos e frustrações dos meus quase 60 anos de vida. Mas voltei a segurar-me ao leme, fui passando as malditas rotundas, amaldiçoei tudo e todos, a Ana Pereira, o maluco do Eduardo Santos, Os PCGC, o Jorge Teixeira e a sua maratona… Ah…!
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Na última rotunda, na volta para a última subida para a meta, vejo os outros desgraçados que se arrastavam atrás de mim, em sentido contrário… Ah, ainda estão piores que eu, alguns caminham, eu ainda consigo correr… No início da subida, uma pessoa sorri e diz adeus aos corredores: A camarada Beatriz. Veterana experiente, ela sabia que era ali que nós precisávamos de apoio. E foi bom, carago! Então, quem sou eu, carago, quem sou eu??!!
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Vai dai, ligo o turbo e arranco pela subida, terreno onde, graças aos treinos em Monsanto, me sentia à vontade. Vivaaaaaaaaaaaaa!!! Onde está a Ana, o António e os outros? Onde estão, onde estão, onde estão?... Já não deu para os apanhar, mas ainda ultrapassei uns quantos no quilómetro final, terminando os últimos 100 metros com o sprint da praxe, passando um companheiro veterano!…
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Estava feita a minha primeira maratona e agora que estou a escrever, não sei porque me vêm as lágrimas aos olhos, deve ser da velhice. Agradeço à Ana, ao Eduardo, ao António, ao Luís Miguel, aos PCGC e ao Jorge Teixeira toda a ajuda e incentivo, também à Tartaruguinha e não esquecendo a Beatriz, cuja imagem só, junto à última rotunda, me salvou definitivamente do Mostrengo.
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Para terminar só queria dizer que dediquei esta corrida mágica a outro espaço mágico que tenho habitado ultimamente: Os encontros “Dance the Heart” (pesquisem na NET - vale a pena). E também aos seus habitantes, em particular aos seus mentores, o David Camacho e a Luísa e, claro, à Lília, que me levou para lá.
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Abraço a todos e desculpem o relambório, mas para mim era importante escrever isto...

quarta-feira, outubro 04, 2006

Agora, uma filosófica que encuquei...

Se responder a 3 de um teste de 10 perguntas, tenho um resultado de 30%, certo? Mostro que sei 30% do que era suposto saber…

Agora... Sobre a Realidade… Conhecemos 1001 coisas em 1001 campos do conhecimento. Tantos dados! Mas seja qual for o número, é um número finito, certo?
...Chamemos a esse número enorme N;


Agora… Acreditam que o Kosmos é infinito (chamemos-lhe Inf), no espaço e no tempo? Se sim, sabemos do Kosmos, N/Inf avos, não é?

Pois então não sabem nada do que nos rodeia, pois N/Inf = 0!

Tudo o que achamos que sabemos deve ser uma ilusão…ou não?

sábado, setembro 23, 2006

SOBRE RELACIONAMENTOS ENTRE HOMEM E MULHER...

Mais uma tradução dum texto curioso dum filósofo curioso


Texto do filósofo indiano Osho




(…) Estive a ler um livro que falava sobre mulheres fartas de homens, por culpa destes… Será assim? Sim, é verdade…Mas apenas meia-verdade. Os homens também se fartam, e por culpa das mulheres. Na verdade, estamos todos no mesmo barco – homens ou mulheres, todos se fartam – porque o nosso estilo de vida é uma aberração completa. Nem os homens são responsáveis pelo tédio das mulheres, nem as mulheres são responsáveis pela frustração que os homens sentem.

Tem que se aprofundar a psicologia da frustração: A primeira coisa a lembrar é que a pessoa só fica frustrada, farta, enjoada, se tiver grandes expectativas. Se não as tiver…

Eu não estou farto de nada, nem vejo nenhuma possibilidade disso me acontecer. Até morrer, vou manter os mesmos olhos maravilhados com que nasci… Vivo também no mesmo mundo que vós, mas não estou entediado porque nunca esperei nada, portanto não dou lugar à frustração.

A mulher farta-se porque tem esperado muito do homem, e o pobre do homem não pode preencher tanta expectativa. As mulheres são mais imaginativas; transformam em herói um Zé qualquer. Aos seus olhos românticos qualquer idiota parece um Gautama, o Buddha. E lentamente, lentamente, à medida que se vão aproximando dos seus grandes heróis, não encontram gigantes, encontram apenas pobres seres humanos normais. E instala-se a frustração. Ampliaram-nos e exageraram as suas qualidades – Mas não se pode viver sempre a ver as coisas por uma lente de aumentar. Mais cedo ou mais tarde, terão que enfrentar a realidade.

A realidade é apenas um homem chateado, completamente desinteressante. E o homem – o homem não é tão imaginativo, mas o seu instinto biológico mantém-no quase dopado, e quando drogado pelo seu instinto biológico, qualquer mulher feia lhe parece uma Cleópatra. Os olhos do homem ficam velados por uma loucura biológica.
Quem diz que o amor é cego tem razão. O homem começa por ver com os olhos tapados; ele receia destapá-los porque a realidade pode ser decepcionante. Mas durante quanto tempo se pode viver tapando os olhos? Mais cedo ou mais tarde terá que olhar para a mulher por quem estava obcecado.
A fixação biológica desaparece depressa; é meramente química, hormonal. Uma vez que se está sexualmente saciado com a mulher, toda a cegueira, toda a loucura desaparece. Volta-se à racionalidade, e vê-se apenas uma mulher como as outras. Naturalmente, para a evitar, os homens refugiam-se na leitura do jornal, vão para o sofá ver televisão. Fizeram uma sondagem na América: O americano comum passa uma média de 7 horas e meia frente à televisão! E, naturalmente, a sua mulher fica farta.
Sei de pessoas que fazem amor enquanto, ao mesmo tempo, vão vendo televisão. Nem mesmo os grandes sexólogos, como Vatsyayana, Pundit Koka, Sigmund Freud, Havelock Ellis, puderam sonhar alguma vez que um dia as pessoas haviam de fazer amor enquanto viam TV. Estão tão fartas de tudo que a televisão é um refúgio.
Mas a psicologia é simples: Começa-se por ter certas expectativas dos outros e a acreditar nessas expectativas. E em breve essas expectativas se espatifam contra a realidade. Essa é a razão porque os homens se fartam e porque as mulheres se fartam – Todos se fartam. O mundo está cheio de pessoas entediadas…!

O tédio é talvez o fenómeno mais significativo que apareceu no século vinte. Nunca antes o homem se aborreceu tanto. Antigamente, quando o homem era caçador e não havia casamento nem possibilidade de monotonia, não se aborrecia, não tinha tempo para isso. As mulheres não se aborreciam: Podiam sempre escolher outro homem. O casamento estabilizou tudo em nome da protecção e da segurança, mas acabou com a exploração das possibilidades. Um dos poetas Urdu tem uma bela canção que diz: “Se tu” – referindo-se a Deus – “Eras a favor do casamento, porque me deste olhos? Porque me deste inteligência?” Os atrasados mentais não se aborrecem e, surpreendentemente, os cegos também não.
Quanto mais inteligente se é, mais depressa se fica farto, esse é o critério. Os mais inteligentes, sensíveis e criativos são os que mais se aborrecem, porque uma experiência basta. Repeti-la é só para idiotas…
À medida que o mundo se vai estabilizando sob o ponto de vista financeiro e social – casamento, filhos, educação, reforma, pensões, seguros… - Nos países mais desenvolvidos as pessoas até são pagas para não trabalhar – perdeu-se toda a alegria da exploração das possibilidades. Tudo se tornou de tal maneira pré-estabelecido e controlado que parece que a única possibilidade de experimentar algo novo, particularmente no mundo ocidental, é o suicídio. Apenas isso ficou por descobrir.
Experimentaram o sexo e acharam que não passava de uma patetice. Experimentaram drogas e viram que eram apenas ilusão. Agora parece que não há mais descoberta, não há mais desafio, e cada vez mais pessoas cometem suicídio. Note-se que a taxa de suicídios não cresce nos países pobres. Os pobres parece que se aborrecem menos e se saturam menos porque ainda se têm que preocupar em arranjar comida, roupa e abrigo; não têm tempo para se aborrecerem. Não se podem dar a esse luxo.
Quanto mais rica é a sociedade… Onde tudo está disponível, por quanto tempo se pode viver numa vida estável, monótona, segura, protegida, garantida? Gente de grande inteligência começa a cometer suicídio.

O Oriente também conheceu os seus tempos de abundância, mas felizmente aí encontrou-se um melhor substituto para o suicídio, que são os sannyas. Quando as pessoas se fartavam, como aconteceu com o Gautama Buddha – ele tinha todo o luxo possível - por quanto tempo se pode repetir essa luxúria diariamente? Aos vinte e nove anos acabou para o mundo. Tinha experimentado tudo o que o mundo lhe podia dar. Uma noite escura, deixou o seu reino, a sua segurança, o seu conforto. Abandonou tudo e tornou-se um mendigo em busca do que fosse eternamente novo, que nunca se desgastasse, que nunca se tornasse monótono. A busca do eternamente novo é a busca dos sannyas.
Há algo dentro de cada um que é eternamente novo, que nunca se desgasta, que nunca aborrece. E quando digo isto, o que digo vem mesmo dessa fonte. As minhas palavras vêm daí mesmo. Se as absorveres, se as sentires, vislumbrarás um lugar onde tudo se renova a cada momento, onde o pó nunca assenta. Esse mundo existe dentro de nós.

Mas estás interessado numa mulher e ela, interessada em ti. Ela não pode ver essa tua fonte eterna de alegria nem tu podes ver a dela, porque estás focado na mulher. Estamos todos focados nos outros e o que nos poderia dar uma alegria permanente está dentro de nós – mas nunca o procuramos no nosso interior.
As pessoas dispõem-se a subir ao Everest, à Lua, a Marte, à descoberta, porque não sabem que, chegando lá mesmo, sentirão a estupidez disso tudo. O que vais fazer lá? Por quanto tempo permaneceu Edmund Hillary no cume do Everest? Não mais de dois minutos. Arriscou a vida – e centenas de outras pereceram depois dele, para atingir o pico. Imagino que ele, especado no pico mais alto do Himalaia, se deve ter sentido muito embaraçado. Ainda bem que ninguém lá estava para o ver, ao fim de dois minutos lá, estava farto: Vou-me embora…!
O que vamos fazer à Lua? É uma situação curiosa… Quando o primeiro astronauta Russo, Yuri Gagarine – que foi o que chegou mais próximo da Lua na história da humanidade, até à altura – regressou a Terra, os jornalistas perguntaram-lhe “Qual foi o seu primeiro pensamento quando lá chegou?” Ele respondeu, “Primeiro…olhei para a Terra. Parecia tão bela lá de cima. É oito vezes maior que a Lua e, lá, brilha exactamente como a Lua, mas oito vezes mais. E a Lua parece tão sem importância como a Terra, quando estamos nela”
Apenas à distância se pode apanhar os raios reflectidos do Sol. A Lua não tem luz própria; quando lá se chega, é o lugar mais deserto e feio possível, porque não tem água, verdura, flores. Nada acontece lá – é apenas um deserto, completamente morto.
“Mas na Lua” disse Yuri Gagarine, “o meu primeiro pensamento foi ‘Minha querida Terra…’” É estranho, mas quando estamos na Terra, não lhe ligamos nenhuma. Yuri Gagarine viveu toda a vida na Terra e nunca pensou “Minha querida Terra…” E a segunda coisa que disse foi “Quando murmurei para mim próprio ‘Minha querida Terra’, lembrei-me que sou um comunista e que pertenço à União Soviética. Mas, vista da Lua, a Terra já não está dividida em União Soviética, Alemanha, Japão, América, Índia”. Todas aquelas linhas estúpidas que criámos nos mapas, não existem na Terra. E ele, pela primeira vez, na Lua, sentiu a Humanidade e a Terra, únicas – e tão belas…!
Yuri Gagarine esteve na Índia. Encontrei-me com ele em Nova Delhi e perguntei-lhe, “Desde que voltou à Terra, alguma vez tornou a pensar “Quanto é bela a minha Terra”? Ela olhou-me, chocado. Disse, “Nunca ninguém me fez essa pergunta e eu nunca voltei a ter tal pensamento”.

O Homem procura sempre aquilo que está longe; parece não dar conta nenhuma do que é óbvio, do que está mesmo aí.
E nós somos o que está mais perto de nós próprios, por isso não nos alcançamos. E não há maneira de nos separarmos de nós próprios. Para onde quer que vamos, lá estaremos – não nos podemos separar de nós próprios. Daí não sermos capazes de dizer “meu querido eu…”
Teremos que aprender a arte de entrarmos em nós próprios. Temos que ser mais subjectivos que objectivos. A subjectividade é a essência do misticismo. Teremos que começar a olhar para dentro de nós.
A isso chamamos meditação, é apenas olhar para dentro de nós, até ver a fonte da nossa própria vida. E uma vez que a tocamos, vai-se a monotonia, vem a alegria de viver.
De contrário, homem ou mulher, o tédio será o destino de cada um.

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E para desanuviar, aqui vai uma piada sobre o tédio conjugal:  

(N.T.: Traduzido para português, o vernáculo será mais grosseiro, mas é assim mesmo que Pedro fala)

A Ana Fonseca estava a ficar muito triste e só, porque o marido, Pedro, não fazia outra coisa, dia e noite, senão ver televisão. Então ela decidiu comprar um cãozinho, para ter companhia.
“Se quiser um cão especial” disse o homem da loja de animais, “temos nesta jaula um cão Ninja, que é capaz de destruir seja o que for” e a Ana exclama, “ Que horror!” “Não”, responde o homem, ”ele é extremamente obediente. Só destruirá aquilo que você lhe mandar – a senhora diz ‘Ninja, a cadeira’ e ele destrói a cadeira, ‘Ninja, o rato’ e ele destrói o rato”. Ana pergunta-lhe então, “ele seria capaz de destruir uma Televisão?” Responde o homem,”Claro, ele estraçalhará a televisão em menos de um fósforo!” então a Ana Fonseca compra o cãozinho e leva-o para casa. Lá (claro, o Pedro estava sentado frente à TV), ela abre a caixa onde o cão vinha. O Pedro olhou e disse, “Querida, que cãozinho compraste?” “Comprei um cão Ninja” disse ela, preparando-se para lhe dar a ordem de destruir a TV. E o Pedro voltou-se de novo para a TV, comentando “Ninja, o caralho!”...
…Fim da piada…!

quinta-feira, setembro 07, 2006

Traduções - Texto de Dalai Lama

Parece que encontrei um uso verdadeiramente útil para este meu blog...

Vou passar a postar aqui textos interessantes, de diversos autores, traduzidos por mim.

Quem quiser, veja, sobre o desfasamento entre a tecnologia e as mentalidades:



Sobre a Guia Moral – Dalai Lama

Excerto de “O Universo Num só Átomo: A Convergência da Ciência e da Espiritualidade”



“As questões mais prementes que se levantam têm mais a ver com Ética que com ciência per se, têm a ver com a aplicação correcta do conhecimento e do poder relativamente às novas possibilidades que se abrem com a clonagem, com a decifração do código genético e com outras descobertas. Têm a ver com as possibilidades da manipulação genética, não só de seres humanos e animais, mas também de plantas e do ambiente de que todos somos parte. No fundo, o problema é o da relação entre o nosso conhecimento e poder, por um lado, com a nossa responsabilidade, por outro.

Qualquer avanço da ciência que abra perspectivas comerciais atrai um tremendo interesse e investimento quer do sector público, quer da iniciativa privada. A quantidade de conhecimento científico e o alcance das possibilidades técnicas é tão grande que apenas a nossa falta de imaginação limita aquilo que se poderá fazer. É esta acumulação de conhecimentos e potencial nunca antes alcançados que nos coloca na presente posição crítica. Quanto maior o nível de conhecimentos e de poder, maior tem que ser o nosso sentido de responsabilidade moral. A questão já não é a de se devemos ou não adquirir e explorar esse potencial tecnológico: É, antes, a questão de como usar estes novos conhecimento e poder da maneira mais útil e responsavelmente ética.

Não é correcto adoptar a posição de que a nossa responsabilidade como sociedade se resume a impulsionar o conhecimento científico e aumentar a capacidade tecnológica. Nem argumentar que o que se faz com estes conhecimentos e poder se deve deixar à decisão de indivíduos. Este argumento de que a sociedade em geral não deve interferir no curso da investigação, de facto põe de lado qualquer papel minimamente significativo das considerações humanitárias e éticas na regulação do desenvolvimento científico. É essencial, é mesmo uma responsabilidade, sermos muito mais atentos e críticos quanto ao que desenvolvemos e porquê. O princípio básico é o de que quanto mais cedo se intervir no processo inicial, mais efectivamente se previnem as consequências indesejáveis.

Para responder aos desafios do presente e do futuro, precisamos dum grau de empenhamento colectivo muito superior ao que tem existido. Uma parte da solução consistiria em garantir que um segmento significativo do público em geral tenha uma capacidade prática de pensamento científico e uma compreensão das principais descobertas científicas, em particular das que têm implicações directas ao nível ético e social. A educação tem que conferir não só uma experiência empírica dos factos científicos, mas também uma análise das relações entre a ciência e a sociedade em geral, incluindo as questões éticas que as novas capacidades tecnológicas levantam. Este imperativo de educação deve estender-se aos cientistas e também ao cidadão comum, de modo a que os cientistas atinjam uma mais vasta compreensão das implicações sociais, culturais e éticas das suas actividades.

Atendendo à importância do que está em causa, as decisões sobre os caminhos da investigação científica, sobre o que fazer do nosso conhecimento e sobre que possibilidades tecnológicas desenvolver, não poderão deixar-se nas mãos dos cientistas, dos interesses lucrativos e dos governantes. Como sociedade, temos claramente que definir algumas regras. Mas essas deliberações não podem vir apenas de umas simples comissões, por muito apetrechadas e peritas que sejam. Precisamos dum nível muito mais elevado de envolvimento do público, especialmente na forma de debate e discussão, seja através dos meios de comunicação social, seja através de referendos, seja através de grupos de pressão empenhados.

Os desafios que hoje se colocam são de tal envergadura – e os perigos do uso errado da tecnologia é tão global, acarretando um potencial tão catastrófico para toda a humanidade – que me faz sentir que precisamos uma guia moral que todos possamos usar sem nos deixarmos embaraçar por divergências de doutrina. Decisivamente, precisamos duma visão holística e integrada ao nível da sociedade que reconheça a natureza fundamentalmente interligada de todos os seres humanos e o seu ambiente. Tal guia moral deve levar à preservação da sensibilidade do Homem e dependerá de termos sempre em mente os nossos valores humanísticos fundamentais. Temos que estar dispostos a revoltarmo-nos sempre que a ciência – ou, neste caso, qualquer acção humana – ultrapasse a linha da decência, e temos que nos bater para preservar a nossa sensibilidade que, de outro modo, facilmente se corrói.

Como encontrar este guia moral? Temos que começar colocando a nossa fé no fundo bom da natureza humana, e ancorar esta fé nalguns princípios universais e fundamentais de ética. Estes, incluem o reconhecimento do valor precioso da vida, uma compreensão da necessidade de equilíbrio na natureza e da utilização desta necessidade como baliza para a direcção do nosso pensamento e acção e – acima de tudo – a necessidade de garantir que é a compaixão o motor de todos os nossos empreendimentos e que se consegue combinar com uma percepção clara de um ponto de vista mais amplo, inclusive acerca das consequências a longo prazo.

Muitos concordarão comigo que estes valores éticos transcendem a dicotomia de crentes religiosos e não crentes, e que são cruciais para o bem-estar de toda a humanidade. Devido à realidade profundamente interligada do mundo de hoje, temos que nos envolver nos desafios que enfrentamos como uma só família humana e, não, como membros de específicas nacionalidades, etnicidades ou religiões. Por outras palavras, um princípio necessário é o espírito de unidade entre a espécie humana. Poderão alguns achar isto irrealista. Mas que outra opção temos nós?

Resumindo, a nossa reacção ética tem que envolver os seguintes factores-chave:
Primeiro, temos que analisar aquilo que nos motiva e assegurarmo-nos de que se baseia na compaixão;
Segundo, temos que lidar com os problemas que enfrentamos numa perspectiva o mais aberta possível, o que implica não só situar o assunto no quadro da mais vasta acção humana mas também ter em devida conta as consequências a curto e a longo prazo;
Em terceiro lugar, quando aplicamos a nossa inteligência a um problema, temos que estar vigilantes para que nos mantenhamos empenhados, despertos e descomprometidos, pois há o perigo desiludirmos, se o não fizermos;
Quarto, perante qualquer desafio ético concreto, temos que reagir num espírito de humildade, reconhecendo não só os limites do nosso conhecimento (quer colectiva quer pessoalmente) mas também a nossa vulnerabilidade ao erro, no contexto duma realidade em mudança tão acelerada.
Finalmente, temos todos – cientistas e sociedade em geral – de lutar para garantir que, seja qual for o rumo que tomemos, temos sempre em mente o objectivo principal do bem-estar da humanidade como um todo e do planeta em que vivemos".

Sua Santidade O Dalai Lama