FURACÃO ML
Acabei de receber um comentário ao meu texto anterior sobre a minha guerra colonial.
Naturalmente o que escrevi inspirou o seu autor, ou autora, "FURACÃO ML" a escrever o seu próprio relato sobre outra guerra quiçá mais sangrenta, que encabeça com "Hipocrisia!".
Afinal, não se trata dum comentário ao meu texto mas um texto que melhor fica aqui, autónomo.
É o primeiro texto que aqui publico que não é da minha autoria ou de que sou tradutor.
Vou então colá-lo a seguir, depois de um mínimo de edição do original com o que, espero, o seu anónimo autor concordará.
E venham os comentários!
Hipocrisia! Que se passará nos últimos tempos ?
Lorosae - o País do Sol Nascente
Desde Abril (1999) que a situação no pais era caótica. Após o massacre de santa cruz - DILI 1991 - para além de esporádicos episódios de confrontos entre as milícias e as tropas governamentais a situação parecia minimamente estável mesmo depois de em Janeiro (1999) ter sido anunciado o projecto de independência.
Não se entendia bem quais eram as facções armadas e assistia-se esporadicamente a tiroteios dispersos atribuídos a guerrilheiros fortuitos.
O dia 4 de Setembro amanhece debaixo de um tiroteio cerrado, com morteirada a cair por todos os lados, não se percebendo quem eram os atiradores.
Mas que estavam lá, estavam... e em força.
O calor húmido abafadiço era irrespirável. Misturava-se o pó com o cheiro intenso da pólvora, do que parecia metal derretido, carne queimada, não tem descrição que traduza.
O pequeno grupo : Esta voluntária anónima, o Enf. Coimbra; a Enf. Adelaide; o Dr. Carlos e os espanhóis Jualsalben e Eulogio, refugiados atrás da parede de uma casa meio destruída em ERMERA aguardava uma pausa no tiroteio para atingir a viatura da UNAMET estacionada duas ruas a frente.
Não era fácil. O fogo das armas parecia partir de um ângulo de 150 graus, varrendo todo o espaço à nossa frente.
Era evidente o nervosismo dos nossos camaradas espanhóis - pressionavam para que estivéssemos atentos ao mais leve recrudescer do fogo para partirmos. estava um avião no AEROPORTO DE BAUCAU a espera para sermos evacuados mas partia a meio da tarde e tínhamos não sabíamos bem quantos quilómetros (400?) até ao aeroporto sem sabermos em que condições.
Não é fácil entrar na narrativa final.... ainda dói e doera para sempre...
No meio de toda a confusão, homens, mulheres e crianças fugindo para junto da nossa parede, murmurando em tétum não se sabe bem o que, talvez Rai-lacan (terra em chama) chorando, gemendo, alguns cheios de sangue, tornaram a situação ainda mais desesperante, caótica.
Narração na primeira pessoa
O CHEIRO A SANGUE EXISTE E INSUPORTAVEL JUNTO COM TODOS OS OUTROS CHEIROS JA DESCRITOS. MAIS RAPIDO QUE SE CONSEGUE CONTAR MAIS AFLITIVO QUE SENTIR UMA BOMBA PARA EXPLODIR JUNTO A NOS MAIS PARALIZANTE QUE UM GAS ALGUEM... NAO SEI...
MAS ALGUEM FALANDO TETUM EM TOM SUPLICANTE E CHOROSO PASSA-ME PARA OS BRACOS UM PEQUENO EMBRULHO
QUENTE HUMIDO MOLE ... ESTUPIDAMENTE AGARRO, SEGURO, PERTO CONTRA O MEU PEITO ESTARRECIDA, ESQUEÇO O TIROTEIO, ESQUEÇO O BENDITO ESPANHOL A GRITAR PARA CORRERMOS PORQUE DC 10 NAO ESPERA PARA ALÉM DO PREVISTO. ---- E OLHO O PEQUENO EMBRULHO
NÃO QUERO... NÃO POSSO... NÃO AGUENTO RELEMBRAR O QUE VI... ERA UM PEQUENO SER, UMA CRIANÇA PEQUENINA - 1 ANO,TALVEZ 2.
UNS OLHINHOS NEGROS MEIO MORTIÇOS, SUPLICANTES, OLHANDO-ME ESPANTADOS, MAS SERENOS, SEM MEDO, TALVEZ SÓ COM UMA PERGUNTA PORQUÊ??