Fazendo O Pino! - As Teses de Urgeiriça - II Parte
O actual sistema económico atingiu o seu ponto máximo de desenvolvimento, em que cria mais problemas que resolve. A actual guerra na Ucrânia, que poderá ser o preâmbulo da III guerra mundial, é prova disso. Aos povos, resta combater a guerra que apenas interessa aos imperialismos!
As Teses de Urgeiriça - II Parte
As Teses de Abril e o Discurso da Estação da Finlândia
A Grande Revolução Russa de Outubro de 1917, de que passará amanhã, 7 de Novembro no calendário actual, o nonagésimo nono aniversário, ocorreu durante e no interior da Primeira Grande Guerra Mundial, uma guerra interimperialista centrada na Europa, iniciada em 28 de Julho de 1914, data do assassinato do arquiduque Francisco Fernando da Áustria pelo patriota sérvio Gavrilo Princip, em Serajevo, na Bósnia, e terminou no dia de São Martinho (11 de Novembro de 1918), quatro dias depois da Revolução de Outubro.
Como se sabe, a primeira guerra mundial opôs dois blocos de grandes potências imperialistas: a Tríplice Aliança, que juntou o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália, entre outros, e a Tríplice Entente, que agrupou o Reino Unido, a França, o Império Russo, entre outros, como Portugal ao lado destes últimos aliados. No final da guerra deixaram de existir as quatro grandes potências imperiais: o império russo, o império alemão, o império austro-húngaro e o império otomano.
A 27 de Fevereiro de 1917 (12 de Março no actual calendário gregoriano), em plena guerra mundial imperialista, desencadeou-se em Petrogrado, na altura capital da Rússia, uma revolução democrático-burguesa, conduzida pelo povo armado, constituído por operários e camponeses, ou seja, por soldados e marinheiros, que levou ao derrubamento do regime semi-imperialista e semi-feudal czarista e à instauração de um governo burguês capitalista.
Por essa altura, Lenine e outros dirigentes bolcheviques do Partido Operário Social Democrata Russo viviam exilados na Suíça, e começaram logo por organizar-se para regressarem de pronto a Petrogrado, a fim de poderem participar pessoalmente na revolução ali em marcha.
Nas suas Cartas de Longe (cinco, embora só uma delas tenha sido publicada), dirigidas à classe operária revolucionária da Rússia, na Carta de Despedida aos Operários Suíços e, depois, nas suas Teses de Abril, escritas no comboio em que regressava a Petrogrado, mas só tornadas públicas a 17 de Abril de 1917, Lenine insiste nos princípios fundamentais da sua estratégia revolucionária: a declaração unilateral da paz, com a suspensão unilateral e imediata das operações militares por parte da Rússia; a reforma agrária; o pão para todos os trabalhadores; a transformação da revolução democrático-burguesa em revolução proletária socialista, com a tomada total do poder pelos sovietes de operários e camponeses armados (sovietes de soldados e marinheiros).
As Teses de Abril são proclamadas por Lenine de viva voz, no discurso feito perante uma multidão de operários e camponeses armados na Estação Ferroviária da Finlândia, à chegada de Lenine e dos seus dezassete companheiros de exílio a Petrogrado.
A grande revolução russa de Outubro de 1917, derrubou o poder capitalista burguês de Kerenski e expulsou o seu governo do Palácio de Inverno, sob o poderoso bombardeamento dos marinheiros do couraçado Aurora. O soviete de Petrogrado tomou o poder político nas mãos dos operários e camponeses armados, decretou unilateralmente a paz e a suspensão imediata das operações militares, distribuindo os comestíveis pelos operários e camponeses, e, quatro dias depois, estava terminada a guerra mundial imperialista de 1914/1918, com a assinatura do tratado de paz de Versalhes.
Mas começou a guerra cívil na Rússia dos sovietes.
A ideia de que a revolução proletária socialista pode ser partilhada com a revolução agrária camponesa contra o feudalismo, ou seja, que duas classes exploradas e oprimidas – operários e camponeses – por dois diferentes modos de produção – capitalista e feudal – podem coexistir numa ditadura conjunta é o erro principal de Lenine ao pretender superar simultaneamente dois modos de produção económicos distintos, sob a liderança conjunto de duas classes, todavia com interesses antagónicos (operários e camponeses servos).
É este erro quanto à possibilidade de construir o socialismo a partir da ditadura conjunta de duas classes com interesses antagónicos que leva a primeira revolução democrática-burguesa russa, de 27 de Fevereiro, a uma segunda revolução não proletária socialista, como pretendia o Lenine, mas democrático-burguesa russa, de 7 de Novembro, a qual para todos os efeitos desempenhou na Rússia semi-imperialista e semi-feudal, herdada do czarismo, o papel da grande Revolução Francesa de 14 de Julho de 1789, levando à instauração do modo de produção capitalista em toda a Rússia sob a forma de capitalismo monopolista de Estado, em vez do capitalismo liberal a que conduziu a Revolução Francesa, subsequente à Tomada da Bastilha.
O desenvolvimento económico russo existente em 1917, e, designadamente, a existência simultânea de dois modos de produção em luta um contra o outro, não permitiria nunca transformar aquela revolução democrático-burguesa em revolução proletária socialista, ultrapassando de salto um modo de produção – o modo de produção feudal – cuja transformação revolucionária económica adequada ainda não se realizara.
Mas foi ainda Lenine o único que terá antecipado o seu próprio erro e o pretendeu corrigir; porém, de um modo igualmente errado.
A Nova Política Económica (NEP)
As peculiaridades da economia czarista, com um modo de produção capitalista, já chegado à fase imperialista, e com um modo de produção feudal, ainda dominante na agricultura russa, levou a profundas e mais agudas contradições com a política das nacionalizações e da reforma agrária imposta pela chamada revolução operária socialista de 7 de Novembro, na Rússia.
Tudo isto agravado pela guerra cívil, com apoio do imperialismo europeu, que se prolongou por quatro anos, até à derrota da revolta de Kronstadt, durante a qual o povo russo passou as maiores privações, designadamente a fome e o racionamento das provisões alimentares.
No X Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), reunido em 1921, Lenine, para fazer face à difícil situação económica da Rússia, fez adoptar uma série de medidas políticas e económicas de natureza burguesa capitalista que ficaram conhecidas como a Nova Política Económica, NEP no acróstico russo.
Foi assim restaurada a liberdade de comércio interno, a liberdade de salário aos trabalhadores, a autorização para o funcionamento de empresas particulares, a permissão de capitais estrangeiros para a reconstrução do país e a autorização para os camponeses poderem livremente comercializar os seus produtos, para além da quota a comprar pelo Estado a preço fixo.
Passou assim a verificar-se uma associação de medidas económicas socialistas com medidas capitalistas e medidas tradicionais compatíveis com a produção agrária feudal.
Estas medidas politico-económicas, elaboradas e aplicadas por Lenine, então presidente do Conselho de Comissários do Povo da República Socialista Federativa Soviética Russa – Lenine morreu em 21 de Janeiro de 1924 – ajudaram a ultrapassar a crise económica em que tinha mergulhado a sociedade russa durante a guerra cívil, mas ajudaram-na a ultrapassar por meios e métodos capitalistas burgueses e não por meios e métodos proletários socialistas.
Isto mostra a impossibilidade de levar a efeito uma revolução socialista assente na aliança entre duas classes – operários e camponeses –, exploradas e dominadas, cada uma delas, por modos de produção económicos diferentes e antagónicos entre si.
Capital e Revolução Social
Ora, a revolução socialista de Outubro, muito embora tenha sido uma grande insurreição armada operária e camponesa, não foi uma revolução socialista. Na verdade, sob o modo de produção capitalista, toda a revolução proletária e socialista autêntica não pode ficar, como ficou a revolução de Outubro, ao nível político, social e cultural, nem pode limitar-se à mera alteração das fórmulas jurídicas das relações económicas de produção. A revolução proletária socialista tem de atacar, e em primeiro lugar, o modo de produção económico capitalista: tem de atacar, antes de tudo, o processo material económico pelo qual o capitalista, através do capital-salário, confisca ao operário o capital-mais-valia, e tem de pôr cobro a esta expropriação, quer ela seja privada, pública ou estatal, a fim de destruir o próprio fundamento do modo de produção capitalista e criar as bases económicas do novo modo de produção comunista.
Ora, a revolução de Outubro, na Rússia, tal como a revolução da democracia nova, na China, não atacou nunca este processo económico de circulação do capital e nunca pôs em causa a apropriação privada da mais-valia, fosse essa apropriação individual, corporativa, de toda uma classe em conjunto ou estatal.
Sucede ainda que, tanto no caso da revolução de Outubro na Rússia, como no caso da revolução da democracia nova, na China, o modo de produção capitalista ainda não tinha eliminado o modo de produção feudal, pois em qualquer dos dois países co-existiram – digamos assim – o modo de produção capitalista, já na sua fase imperialista, e o velho e moribundo modo de produção feudal, a caminho do fim.
Hoje sabe-se em definitivo – e Marx e Engels já o anteviam – que é impossível levar a cabo num só país e ao mesmo tempo uma revolução proletária socialista que ataque em simultâneo os dois modos de produção económicos.
Vivemos aquela etapa da História que corre sob o modo de produção capitalista, em que o poder económico, político e ideológico burguês é dominante, muito embora tenha alcançado a sua fase final, a do imperialismo moribundo. Esta é a razão pela qual uma revolução política proletária não pode sobreviver sozinha num país isolado, sobretudo quando essa revolução, como sucedeu na Rússia, em 7 de Novembro de 1917, e na China, em 1 de Outubro de 1949, começou por ser meramente política e ideológica, antes de ser uma revolução económica, que nos dois casos em referência nunca o foi.
É ainda uma consequência do princípio materialista dialéctico fundador: o movimento precede a consciência. E a consciência revolucionária procede do movimento revolucionário.
Vivemos num planeta em que o imperialismo, estádio supremo e último do capitalismo, se mundializou e globalizou, ou seja, se tornou dominante ao nível local e ao nível geral. É agora que se irão intensificar as guerras entre as grandes potências imperialistas. Qualquer dessas guerras tenderá a mundializar-se também, como está a suceder com a guerra imperialista pela conquista do petróleo e matérias-primas no Próximo e no Médio Oriente.
Essa guerra leva já mais de quarenta anos e a tendência é mundializar-se cada vez mais. Dessas guerras imperialistas acabarão por nascer as revoluções proletárias socialistas modernas, e que – essas sim – estão em condições de permitir a destruição do modo de produção capitalista e instaurar o novo modo de produção comunista.
Fim