terça-feira, abril 16, 2019

Materialismo Dialéctico, Materialismo Histórico




Materialismo Dialéctico e Materialismo Histórico




SUMÁRIO


Materialismo Dialéctico, Materialismo Histórico


1- O Método Dialéctico Marxista

2- O Materialismo Filosófico

3- O Materialismo Histórico


Josef Estaline



O materialismo dialéctico é a teoria geral do Partido marxista-leninista. O materialismo dialéctico é assim chamado, porque a sua maneira de considerar os fenómenos da natureza, o seu método de investigação e de conhecimento é dialéctico e a sua interpretação, a sua concepção dos fenómenos da natureza, a sua teoria é materialista.

1º - O método dialéctico marxista é caracterizado pelos seguintes traços fundamentais:

a) Ao contrário da metafísica, a dialéctica olha a natureza não como uma acumulação acidental de objectos, de fenómenos separados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo unido, coerente, em que os objectos, os fenómenos, estão ligados organicamente entre eles, dependem um dos outros e condicio­nam-se reciprocamente.

O materialismo histórico estende os princípios do materialismo dialéctico ao estudo da vida social; aplica estes princípios aos fenómenos da vida, social, ao estudo da história da sociedade.

Ao definir o seu método dialéctico, Marx e Engels se referem habitualmente a Hegel, como o filósofo que enunciou as características fundamentais da dialéctica. Contudo, isso não significa que a dialéctica de Marx e Engels seja idêntica à de Hegel, pois Marx e Engels só tomaram da dialéctica de Hegel, o seu núcleo racional; rejeitaram dela a sua parte idealista e desenvolveram a dialéctica, imprimindo-lhe um carácter científico moderno.

O meu método dialéctico, diz Marx, não só difere na sua base do método hegeliano mas é mesmo exactamente oposto. Para Hegel, o movimento do pensamento. que ele personifica sob o nome de Ideia. é o criador da realidade, a qual não é senão a forma fenomenal da Ideia. Para mim. pelo contrário. o movimento do pensamento é a reflexão do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem. (O Capital).

Ao definir o seu materialismo, Marx e Engels se referem habitualmente a Feuerbach, como o filósofo que reintegrou o materialismo no seu devido lugar. Contudo, isso não significa que o materialismo de Marx e Engels seja idêntico ao de Feuerbach. Com efeito, Marx e Engels apenas tomaram, ao materialismo de Feuerbach, o seu núcleo central; desenvolveram-no numa teoria filosófica científica do materialismo e rejeitaram dele as sobreposições idealistas, éticas e religiosas. Sabe-se que Feuerbach, apesar de ser basicamente materialista, se ergueu contra a denominação de materialismo. Engels disse, várias vezes, que Feuerbach continua, apesar da sua base (materialista) prisioneiro dos entraves idealistas tradicionais, que o verdadeiro idealismo de Feuerbach aparece logo. que chegamos à sua filosofia da religião e à sua ética. (Friedrich Engels: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).

Dialéctica vem da palavra grega dialektiké que significa conversar, debater. Na antiguidade entendia-se por dialéctica a arte de chegar à verdade, descobrindo e superando as contradições contidas no raciocínio do adversário. Certos filósofos da antiguidade pensavam que a descoberta das contradições no pensamento e o choque das opiniões contrárias eram o melhor meio de descobrir a verdade. Este modo dialéctico de pensamento, estendido a seguir aos fenómenos da natureza, tor­nou-se o método dialéctico do conhecimento da natureza; segundo este método, os fenómenos da natureza estão eternamente em movimento e em transformação e o desenvolvimento da natureza é o resultado do desenvolvimento das contradições da natureza, o resultado da acção recíproca das forças contrárias da natureza. Pela sua essência, a dialéctica completamente oposta à metafísica.

É por esta razão, que o método dialéctico considera que nenhum fenómeno da natureza pode ser compreendido se for considerado isoladamente, fora dos fenómenos que o rodeiam; pois qualquer fenómeno, em qualquer domínio da natureza; pode ser convertido numa coisa sem sentido, se for considerado fora das condições que o rodeiam, se for separado destas condições; pelo contrário, qualquer fenómeno pode ser compreendido e justificado, se for considerado sob o ângulo da sua ligação indissolúvel com os fenómenos que o rodeiam, se for considerado tal como é condicionado pelos fenómenos que o cercam.

b) Ao contrário da metafísica, a dialéctica olha a natureza, não como um estado de repouso e de imobilidade, de estagnação e de imutabilidade, mas como um estado de movimento e transformação perpétuos, de renovação e desenvolvimento incessantes, em que sempre nasce e desenvolve-se qualquer coisa, desagrega-se e desaparece qual­. quer coisa. É por esta razão que o método dialéctico exige que os fenómenos sejam considerados não só do ponto de vista das suas relações e condicionamentos recíprocos, mas também do ponto de vista do seu movimento, da sua transformação, do seu desenvolvimento, do ponto de vista do seu aparecimento e do seu desaparecimento.

Para o método dialéctico, o que importa, antes de mais, não é. o que parece estável num dado momento, mas o que começa já a decair; o que importa, antes de tudo, é o que nasce e se desenvolve mesmo se, num dado momento, a coisa parece instável, pois segundo o método dialéctico, nada é menos vulnerável do que aquilo que nasce e se desenvolve. Toda a natureza, diz Engels, das partículas mais Ínfimas aos corpos maiores, do grão de areia ao Sol, do protiste (célula primitiva) ao homem, está empenhada num processo eterno de aparecimento e de desaparecimento, num fluxo incessante, num movimento e numa transformação perpétuos (Dialéctica da Natureza. F. Engels). 

É por esta razão, diz Engels, que a dialéctica observa as coisas e o seu reflexo mental principalmente nas suas relações recíprocas, no seu encadeamento, no seu movimento, no seu aparecimento e desaparecimento (Anti-Dühring. F. Engels). 

c) Contrariamente à metafísica, a dialéctica considera o processo de desenvolvimento, não como um simples processo de crescimento, em que as mudanças qualitativas não têm como resultado mudanças quantitativas, mas como um desenvolvimento que passa das mudanças quantitativas e latentes a mudanças evidentes e radicais, a mudanças qualitativas; em que as mudanças qualitativas não são graduais, mas rápidas, bruscas e se verificam por saltos, de um estado a outro; estas mudanças não são contingentes, mas necessárias; são o resultado da acumulação de mudanças quantitativas insensíveis e graduais. 

E por esta razão que o método dialéctico considera que o processo de desenvolvimento deve ser entendido não como um movimento circular, não como uma simples repetição do caminho percorrido, mas como um movimento progressivo, ascendente, como a passagem do estado qualitativo antigo, a um novo estado qualitativo, como um desenvolvimento que vai do simples ao complexo, do inferior ao superior.

A natureza, diz Engels, é o banco de ensaios da dialéctica e é necessário dizer que as ciências modernas da natureza forneceram, para esta prova, materiais que são extremamente ricos e que aumentam de dia a dia, assim provando que a natureza, em última instância, comporta-se dialecticamente e não metafisicamente, que não se move num círculo eternamente idêntico que se repetiria perpetuamente, mas que conhece uma história real. A propósito disto convém, antes de mais, mencionar Darwin que infligiu um rude golpe à concepção metafísica da natureza, ao demonstrar que todo o mundo orgânico, tal como existe hoje, as plantas e os animais e portanto também o homem, é o produto de um processo de desenvolvimento que já dura há milhões de anos (Ibidem).

Engels mostra que no desenvolvimento dialéctico, as mudanças quantitativas se convertem em mudanças qualitativas: 

Em física... toda a transformação é uma passagem da quantidade à qualidade, o efeito da mudança quantitativa da quantidade de movimento – seja de que forma for – inerente ao corpo ou comunicado ao corpo. Assim, a temperatura da água é, em princípio, indiferente ao seu estado líquido; mas se se aumenta ou diminui a temperatura da água, chega um momento em que o seu estado de coesão se modifica e a água se transforma em vapor e em gelo respectivamente... É assim que é necessária uma corrente de uma certa intensidade para tornar luminoso um fio de platina; é assim que qualquer metal tem a sua temperatura de fusão; é assim que qualquer líquido, a uma dada pressão, tem o seu ponto determinado de congelação e de ebulição, na medida em que os nossos meios nos permitam obter as temperaturas necessárias; enfim, é assim que, para cada gás, há um ponto crítico no qual se pode transformar em líquido, em determinadas condições de pressão e arrefecimento... As constantes, como se diz em física (pontos de passagem de um estado a outro), não são, na maior parte dos casos, mais do que pontos nodais em que a adição ou subtracção de movimento (mudança quantitativa) prova uma mudança qualitativa num corpo, em que, por consequência, a quantidade se transforma em qualidade. (Dialéctica da Natureza). 

E a propósito da química: 

Pode-se dizer que a química é a ciência das transformações qualitativas dos corpos, devidas a transformações quantitativas. O próprio Hegel já o sabia. Tomemos o oxigénio: se se reúnem numa molécula três átomos em lugar de dois, como normalmente, obtém-se um corpo novo, o ozono, que se distingue nitidamente do oxigénio ordinário, pelo seu cheiro e pelas suas relações. E que dizer das diferentes combinações do oxigénio com o azoto ou com o enxofre, de onde, de cada uma delas, resulta um corpo qualitativamente diferente de todos os outros (Ibidem)

Enfim, Engels critica Dühring que censura Hegel atribuindo-lhe sub-repticiamente a sua célebre tese, segundo a qual a passagem do reino do mundo insensível ao da sensação, do reino do mundo inorgânico ao da vida orgânica, é um salto para um novo estado:

É com efeito a linha nodal hegeliana das relações de medida, em que uma adição ou uma subtracção puramente quantitativas produzem em certos pontos nodais. um salto qualitativo. como é o caso, por exemplo, da água aquecida ou arrefecida, para a qual o ponto de ebulição e o ponto de con­gelação são os nós em que se verifica, à pressão normal, o salto para um novo estado de agregação; em que, por consequência, a quantidade se transforma em qualidade (Anti­Dühring). 

d) Ao contrário da metafísica, a dialéctica parte do princípio que os objectos e os fenómenos da natureza encerram contradições internas, pois todos eles têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro, todos eles têm elementos que desaparecem ou que se desenvolvem; a luta destes contrários, a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que se desagrega e o que se desenvolve, é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento da conversão das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas.

É por esta razão que o método dialéctico considera que o processo de desenvolvimento do inferior ao superior não se efectua no plano de uma evolução harmoniosa dos fenómenos, mas no de evidência das contradições inerentes aos objectos, aos fenómenos, no plano de uma luta das tendências contrárias que se operam na base destas contradições. 

A dialéctica, no verdadeiro sentido da palavra, é, diz Lenine, o estudo das contradições na própria essência das coisas (Lenine: Cadernos de filosofia).

E mais adiante:

O desenvolvimento é a luta dos contrários. (Lenine: Questões da dialéctica)

São estes, em resumo, os traços fundamentais do método dialéctico marxista.

Não é difícil compreender qual a considerável importância que toma a extensão dos princípios do método dialéctico ao estudo da vida social, ao estudo da história da sociedade, qual a considerável importância que toma a aplicação destes princípios à história da sociedade, à actividade prática do partido do proletariado.

Se é verdade que não há, no mundo, fenómenos isolados, se é verdade que todos os fenómenos estão ligados entre si e se condicionam reciprocamente, é claro que qualquer regime social e qualquer movimento social na história devem ser julgados, não do ponto de vista da justiça eterna ou de qualquer outra ideia preconcebida, como o fazem frequentemente os historiadores, mas do ponto de vista das condições que deram origem a este regime e a este movimento e com as quais estão ligados.

O regime de escravatura, nas condições tatuais, seria um contra-senso, um absurdo contra a natureza. Mas o regime de escravatura nas condições do regime da comunidade primitiva em decomposição é um fenómeno perfeitamente compreensível e lógico, pois significa um passo em frente em relação à comunidade primitiva.

Reivindicar a instituição da república democrática burguesa nas condições do czarismo e da sociedade burguesa, por exemplo na Rússia de 1905, era perfeitamente compreensível, justo e revolucionário, pois a república burguesa significava, então, um passo em frente. Mas reivindicar a instituição da república democrática burguesa, nas condições tatuais da U.R.S.S., seria um contra-senso, seria contra-revolucionário, pois a república burguesa em comparação à república soviética é um passo atrás.

Tudo depende das condições, do lugar e da época. 

É evidente que sem esta concepção histórica dos fenómenos sociais, a existência e o desenvolvimento da ciência histórica são impossíveis; só uma tal concepção evita que a ciência histórica se torne um caos de contingências e um montão de erros absurdos. 

Prossigamos. Se é verdade que o mundo se move e se desenvolve perpetuamente, se é verdade que o desaparecimento do velho e o nascimento do novo constituem uma lei do desenvolvimento, é claro que não há regimes sociais imutáveis, princípios eternos de propriedade privada e de exploração; que não há ideias eternas de submissão dos camponeses aos grandes latifundiários, dos operários aos capitalistas. 

Por consequência, o regime capitalista pode ser substituído pelo regime socialista, do mesmo modo que o regime capitalista substituiu na devida altura, o regime feudal. 

Consequentemente, é preciso basear a acção, não nas camadas sociais que não se desenvolvem mais, mesmo que representem no momento a força dominante, mas nas camadas sociais que se desenvolvem e que têm o futuro, mesmo que não representem no momento a força dominante.

Em 1880-1890, na época da luta dos marxistas contra os populistas, o proletariado da Rússia era uma Ínfima minoria em relação à massa dos camponeses individuais, que formava a imensa maioria da população. Mas o proletariado desenvolvia-se enquanto classe, ao passo que o campesinato desagregava-se enquanto classe. E foi justamente porque o proletariado se desenvolvia como classe, que os marxistas basearam nele a sua acção. No que não se enganaram, pois sabe-se que o proletariado, que era uma força pouco importante, se tornou a seguir uma força histórica e política de primeira ordem. 

Assim, para não nos enganarmos em política, é necessário olhar para a frente e não para trás.

Prossigamos. Se é verdade que a passagem das mudanças quantitativas lentas a mudanças qualitativas bruscas e rápidas é uma lei do desenvolvimento, é claro que as revoluções realizadas pelas classes oprimidas constituem um fenómeno absolutamente natural, inevitável. 

Consequentemente, a passagem do capitalismo ao socialismo e a libertação da classe operária do jugo capitalista podem ser efectuadas, não por transformações lentas, não por reformas, mas somente por uma mudança qualitativa do regime capitalista, pela revolução.

Assim, para não nos enganarmos em política, é preciso sermos revolucionários e não reformistas. 

Prossigamos. Se é verdade que o desenvolvimento se faz pelo aparecimento das contradições internas, pelo conflito das forças contrárias, na base destas contradições, conflito destinado a ultrapassá-las, é claro que a luta de classes do proletariado é um fenómeno perfeitamente natural, inevitável. 

Assim, não devem ocultar-se as contradições do regime capitalista, mas fazê-las aparecer e expô-las, não abafar a luta de classes, mas levá-la até ao fim.

Portanto, para não nos enganarmos em política, é preciso seguir uma política proletária de classe, intransigente, e não uma política reformista de harmonia com os interesses do proletariado e da burguesia, não uma política conciliadora de integração do capitalismo no socialismo.

Eis o que é o método dialéctico marxista aplicado à vida social, à história da sociedade.

Por sua vez, o materialismo filosófico marxista pela sua raiz, o exacto oposto do idealismo filosófico.


2º - O Materialismo Filosófico Marxista 

é caracterizado pelos seguintes traços fundamentais:

a) Ao contrário do idealismo, que considera o mundo como a encarnação da “ideia absoluta”, do “espírito universal”, da “consciência”, o materialismo filosófico de Marx parte do princípio de que o mundo, pela sua natureza, é material. que os múltiplos fenómenos do universo são os diferentes aspectos da matéria em movimento; que as relações e o condicionamento recíprocos dos fenómenos, estabelecidos pelo método dialéctico constituem as leis necessárias ao desenvolvimento da matéria em movimento; que o mundo se desenvolve segundo as leis do movimento da matéria e não tem necessidade de qualquer “espírito universal”. 

A concepção materialista do mundo diz Engels, significa simplesmente a concepção da natureza, tal como ela é e sem nenhuma adição estranha. 

A propósito da concepção materialista do filósofo da antiguidade Heraclito, para quem

o mundo é uno, não foi criado por nenhum deus nem por nenhum homem, foi, é e será uma chama eternamente viva.

Escreve Lenine sobre isto: 

Excelente exposição dos princípios do materialismo dialéctico (Lenine: Cadernos de, filosofia).

b) Ao contrário do idealismo, para quem só a nossa consciência existe realmente, para quem o mundo material, o ser, a natureza, só existe na nossa consciência, nas nossas sensações, representações, conceitos, o materialismo filosófico marxista parte do princípio que a matéria, a natureza, o ser, é uma realidade objectiva existindo fora e independentemente da. consciência; que a matéria é um fato primordial; pois é a origem das sensações, das representações, da consciência, enquanto a consciência é um dado secundário, derivado, pois é o reflexo da matéria, o reflexo do ser; que o pensamento é um produto da matéria, quando esta atingiu, no seu desenvolvimento, um alto grau de perfeição; mais precisamente, o pensamento é o produto do cérebro e o cérebro é o órgão do pensamento; não se poderia, portanto, separar o pensamento da matéria sob pena de cair num erro grosseiro. 

A questão da relação do suprema de toda a filosofia diz Engels ... Os filósofos dividiam-se em dois campos importantes, segundo a resposta que davam a esta questão. Os que afirmavam a anterioridade do espírito em relação à natureza... formavam o campo do idealismo. Os outros, os que confederavam a natureza como anterior, pertenciam às diferentes escolas do materialismo. (Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã). 

E mais adiante: 

O mundo material, perceptível pelos sentidos, ao qual nós próprios pertencemos, é a única realidade... A nossa consciência e o nosso pensamento, por mais transcendentes que pareçam não são mais do que um produto de um órgão material, corporal, o cérebro. A matéria não é um produto do espírito, mas o próprio espírito, não é senão o produto superior da matéria (Ibidem).

A propósito do problema da matéria e do pensamento, escreve Marx: 

Não se poderia separar o pensamento da matéria pensante. Esta matéria é o substrato de todas as transformações que se operam. ( A Sagrada Família).

Na sua definição do materialismo filosófico marxista, Lenine exprime-se nestes termos:

O materialismo aceita, de um modo geral, que o ser real objectivo (a matéria) é independente da consciência, das sensações, da experiência A consciência... não é senão o reflexo do ser, no melhor dos casos um reflexo aproximadamente exalto (completo, de uma precisão ideal)

(Materialismo e Empiriocriticismo). 

E mais adiante: 

A matéria é o que, tatuando sobre os nossos órgãos dos sentidos, produz as sensações; a matéria é uma realidade objectiva que nos é dada nas sensações... A matéria, a natureza, o ser, o físico, é o primeiro dado, enquanto o espírito, a consciência, as sensações, são o dado secundário (Ibidem). O quadro do mundo é um quadro que mostra que a matéria se move e como a matéria pensa. (Ibidem). O cérebro é órgão do pensamento. (Ibidem).

c) Ao contrário do idealismo, que contesta a possibilidade de conhecer o mundo e as suas leis; que não crê no valor dos nossos conhecimentos; que não reconhece a verdade objectiva e considera que o mundo está cheio de coisas em si que jamais poderão ser conhecidas da ciência, o materialismo filosófico marxista parte do princípio de que o mundo e as suas leis são perfeitamente conhecíveis, de que o nosso conhecimento das leis da natureza, verificado pela experiência, pela prática, é um conhecimento válido, que tem o significado de uma verdade objectiva; de que não há, de forma alguma, no mundo, coisas que não podem ser conhecidas, mas unicamente coisas ainda desconhecidas, as quais serão descobertas e conhecidas pela ciência e pela prática.

Engels critica a tese de Kant e dos outros idealistas, segundo a qual o mundo e as coisas em si não se podem conhecer e defende a tese materialista bem conhecida, segundo a qual os nossos conhecimentos são válidos. Escreve a este respeito:

A refutação mais contundente deste capricho filosófico, como aliás de todos os outros, é a prática, principalmente a experiência e a indústria. Se podemos provar a justeza da nossa concepção de um fenómeno natural criando-o nós próprios, fazendo-o surgir do seu próprio meio, e se, além disso, o colocamos ao serviço dos nossos objectivos, acaba-se a incompreensível coisa em si de Kant. As substâncias químicas produzidas nos organismos vegetais e animais conside­ram-se coisas em si até ao momento em que a química orgânica os começou a preparar um após outro; por isso, a coisa em si tornou-se para nós uma coisa, como por exemplo, a matéria corante da ruiva-dos-tintureiros, a alizarina, que já não extraímos das raízes da ruiva-dos-tintureiros, cultivada nos campos, mas que tiramos, mais económica e simplesmente, do alcatrão da hulha. O sistema solar de Copérnico foi, durante trezentos anos, uma hipótese em que se poderia apostar cem, mil, dois mil contra um - apesar de tudo, era uma hipótese; mas quando Leverrier, com o auxílio dos números obtidos graças a este sistema, calculou não só a neces­sidade da existência de um planeta desconhecido, mas tam­bém a localização deste no espaço celeste, e quando Galle o descobriu a seguir, o sistema de Copérnico foi verificado (Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).

Lenine acusa de fideísmo (teoria reaccionária que dá primazia à fé sobre a ciência) Bogdanov, Bazarov, Iouchkévitch e outros partidários de Mach; defende a tese materialista bem conhecida, segundo a qual os nossos conhecimentos científicos das leis da natureza são válidos e as leis científicas são ver­dades objectivas; diz acerca disto: 

O fideísmo contemporâneo nunca repudia a ciência; só repudia as pretensões excessivas, por exemplo, a preten­são de descobrir a verdade objectiva. Se existe uma verdade objectiva (como pensam os materialistas), se as ciências da natureza ao reflectirem o mundo exterior na experiência humana, são as únicas capazes de nos darem a verdade objectiva, qualquer fideísmo deve ser absolutamente rejeitado (Materialismo e Empiriocriticismo).

Tais são, em resumo, as características distin­tivas do materialismo filosófico marxista.

Concebe-se facilmente a importância consi­derável que toma a extensão dos princípios do materialismo filosófico ao estudo da vida social, ao estudo da história da sociedade; compreende-se a importância considerável da aplicação destes prin­cípios à história da sociedade, à actividade prática do partido do proletariado. 

Se é verdade que a ligação dos fenómenos da natureza e o seu condicionamento recíproco são leis necessárias ao desenvolvimento da natureza, resulta que a ligação e o condicionamento recípro­co dos fenómenos da vida social, também eles, não são contingências, mas leis necessárias ao desen­volvimento social. 

Consequentemente, a vida social, a história da sociedade deixa de ser uma acumulação de “con­tingências”, pois a história da sociedade torna-se um desenvolvimento necessário da sociedade e o estudo da história social passa a constituir uma ciência. 

Deste modo, a actividade prática do partido do proletariado deve ser baseada, não nos desejos louváveis das “individualidades de elite”, nas exi­gências da “razão”, da “moral universal”, etc., mas nas leis do desenvolvimento social, no estudo destas leis. 

Prossigamos. Se é verdade que o mundo é conhecível e que o nosso conhecimento das leis do desenvolvimento da natureza é um conhecimento válido que tem o significado de uma verdade objectiva, resulta que a vida social, que o desenvolvi­mento social é igualmente conhecível e que os dados da ciência acerca destas leis do desenvolvi­mento social, são dados válidos que têm o signifi­cado de verdades objectivas.

Assim, a ciência da história da sociedade, ape­sar de toda a complexidade dos fenómenos da vida social, pode tornar-se uma ciência tão exacta como, por exemplo, a biologia, e capaz de fazer servir as leis do desenvolvimento social às aplicações práti­cas.

Portanto, o partido do proletariado, na sua actividade prática, não deve inspirar-se em qual­quer motivo fortuito, mas nas leis do desenvolvi­mento social e nas conclusões práticas que resul­tam destas leis. 

Por isso, o socialismo, que outrora era o sonho de um futuro melhor para a humanidade, tornou-se uma ciência. 

Então, a ligação entre a ciência e a actividade prática, entre a teoria e a prática, a sua unidade, deve tornar-se a estrela condutora do partido do proletariado. 

Prossigamos. Se é verdade que a natureza, o ser, o mundo material são o primeiro dado, enquanto a consciência, o pensamento são o segundo dado, derivado do primeiro; se é verdade que o mundo material é uma realidade objectiva, que existe independentemente da consciência dos homens, enquanto a consciência é um reflexo des­ta realidade objectiva, resulta daí que a vida mate­rial da sociedade, o seu ser, é igualmente o primei­ro dado, enquanto a vida espiritual é um segundo dado, igualmente derivado do primeiro; que a vida material da sociedade é uma realidade objectiva, que existe independentemente da vontade do homem, enquanto a vida espiritual da sociedade é um reflexo desta realidade objectiva, um reflexo do ser. 

Portanto, é necessário procurar a fonte da vida espiritual da sociedade, a origem das ideias sociais, das teorias sociais, das opiniões políticas, das instituições políticas, não nas próprias ideias, teorias, opiniões e instituições políticas, mas sim nas condições da vida material da sociedade, no ser social, cujas ideias, teorias, opiniões, etc., são o reflexo. 

Por consequência, se nos diferentes períodos da história da sociedade se observam diferentes ideias e teorias sociais, diferentes opiniões e insti­tuições políticas, se encontramos no regime de escravatura tais ideias e teorias sociais, tais opi­niões e instituições políticas, enquanto no feudalis­mo encontramos outras, e no capitalismo ainda outras, isso se explica não pela natureza, nem pelas propriedades das próprias ideias, teorias, opiniões e instituições políticas, mas pelas diversas condições da vida material da sociedade, nos dife­rentes períodos do desenvolvimento social.

O ser da sociedade, as condições da vida material da sociedade, eis o que determina as suas ideias, as suas teorias, as suas opiniões políticas, as suas instituições políticas.

A este respeito, escreveu Marx: 

Não é a consciência dos homens que determina a sua existência. É, pelo contrário, a sua experiência social que determina a sua consciência (Contribuição Para A Crítica Da Economia Política, prefácio).

Assim, para não se enganar em política, para não se entregar a sonhos vazios, o partido do proletariado deve basear a sua acção, não nos abstractos “princípios da razão humana”, mas nas con­dições concretas da vida material da sociedade, força decisiva do desenvolvimento social; não nos desejos louváveis dos “grandes homens”, mas nas necessidades reais do desenvolvimento da vida material da sociedade. 

A fraqueza dos utópicos, compreendendo os populistas, os anarquistas, os socialistas-revolucio­nários, explica-se, entre outras coisas, pelo fato de não reconhecerem o papel primordial das condi­ções da vida material da sociedade, no desenvolvi­mento da própria sociedade; caídos no idealismo, baseavam a sua actividade prática, não nas necessi­dades do desenvolvimento da vida material da sociedade, mas, independente e a despeito destas necessidades, nos “planos ideais” e “projectos uni­versais” desligados da vida real da sociedade. 

O que dá a força e a vitalidade ao marxismo-leninismo é o fato de ele se apoiar, na sua actividade prática, precisamente nas necessidades do desen­volvimento da vida material da sociedade, sem jamais se desligar da vida real desta. 

Do que disse Marx, não resulta, contudo, que as ideias e as teorias sociais, as opiniões e as insti­tuições políticas não tenham influência na vida social; que não exerçam uma acção sobre a existên­cia social, sobre o desenvolvimento das condições materiais da vida social. Até aqui falamos apenas da origem das ideias e das teorias sociais, das opi­niões e das instituições políticas, do seu apareci­mento; dissemos que a vida espiritual da sociedade é um reflexo das condições da sua vida material. Mas a importância destas ideias e teorias sociais, destas opiniões e instituições políticas, do seu papel na historia, o materialismo histórico, longe de negá-los, sublinha, pelo contrário, o seu papel e a sua importância consideráveis na vida social, na história da sociedade. 

As ideias e as teorias sociais diferem. Há velhas ideias e teorias, que tiveram o seu lugar na devida altura e que hoje servem os interesses das forças decadentes da sociedade. A importância que têm, é a de deter o desenvolvimento da socie­dade, o seu progresso. Há ideias e teorias novas, de vanguarda, que servem os interesses das forças de vanguarda da sociedade. A sua importância resulta do fato de elas facilitarem o desenvolvimento da sociedade, o seu progresso; e, mais ainda, adqui­rem tanto mais importância quanto reflectem mais fielmente as necessidades do desenvolvimento da vida material da sociedade. 

As novas ideias e teorias sociais só surgiram quando o desenvolvimento da vida material da sociedade colocou, diante desta, novas tarefas. Mas, uma vez surgidas, tornam-se uma força da maior importância que facilita a execução das novas tarefas, postas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade; facilitam o progresso da sociedade. É então que aparece toda a importân­cia do papel organizador, mobilizador e transfor­mador das ideias e teorias novas, das opiniões e instituições políticas novas. Na verdade, se surgem novas ideias e teorias sociais, é precisamente por­que são necessárias à sociedade, porque sem a sua acção organizadora, mobilizadora e transformado­ra, é impossível a solução dos problemas prementes que acarreta o desenvolvimento da vida material da sociedade. 

Suscitadas pelas novas tarefas, postas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, as ideias e teorias sociais novas abrem para si um caminho, tornam-se o património das massas populares que mobilizam e organizam con­tra as forças retrógradas da sociedade, facilitando com isso o derrube destas forças que impedem o desenvolvimento da vida material da sociedade.

É assim que, suscitadas pelas tarefas prementes do desenvolvimento da vida material da sociedade, do desenvolvimento da existência social, as próprias ideias e teorias sociais, as insti­tuições políticas, influenciam, a seguir, a existên­cia social, a vida material da sociedade, criando as condições necessárias para alcançar as solucionar os proble­mas prementes da vida material da sociedade e tornar possível o seu desenvolvimento posterior. 

Marx disse acerca disto: 

A teoria adquire uma força material logo que penetra nas massas (Crítica da Filosofia do Direito de Hegel). 

Por consequência, para ter a possibilidade de influenciar as condições da vida material da socie­dade e para acelerar o seu desenvolvimento, o seu melhoramento, o partido do proletariado deve apoiar-se numa teoria social, numa ideia social que traduza completamente as necessidades do desen­volvimento da vida material da sociedade e seja capaz, portanto, de pôr em movimento as grandes massas populares, capaz de as mobilizar e de as organizar no grande exército do partido do prole­tariado, pronto para varrer as forças reaccionárias e abrir o caminho às forças avançadas da socieda­de.

A fraqueza dos “economistas” e dos menche­viques se explica entre outras coisas, pelo fato de que não reconheciam o papel mobilizador, organi­zador e transformador da teoria de vanguarda, da ideia da vanguarda; caídos no materialismo vulgar, reduziam quase a zero este papel; é por isso que condenavam o partido a permanecer passivo, a vegetar.

O que dá a força e a vitalidade ao marxismo-leninismo é o fato de ele se apoiar numa teoria de vanguarda, que reflecte perfeitamente as necessida­des do desenvolvimento da vida material da socie­dade, de colocar a teoria no lugar elevado que lhe cabe, e considerar como seu dever a utilização completa da sua força mobilizadora, organizadora e transformadora. 

É assim que o materialismo histórico resolve o problema das relações entre o ser social e a cons­ciência social, entre as condições do desenvolvi­mento da vida material e o desenvolvimento da vida espiritual da sociedade. 

3º - O materialismo histórico. 

Falta esclarecer uma questão: o que devemos entender, do ponto de vista do materialismo histórico, por estas con­dições da vida material da sociedade, que deter­minam em última análise, a fisionomia da socieda­de, as suas ideias, as suas opiniões, as suas institui­ções políticas, etc.? 

O que são estas condições de vida material da sociedade? Quais são os seus traços caracterís­ticos? 

É certo que a noção de “condições da vida material da sociedade” compreende, antes de mais nada, a natureza que rodeia a sociedade, o meio geográfico que é uma das condições necessárias e permanentes da vida material da sociedade e que, evidentemente, influencia o desenvolvimento da sociedade. Qual é o papel do meio geográfico no desenvolvimento social? Não será o meio geográfico a força principal que determina a fisionomia da sociedade, o carácter do regime social dos homens, a passagem de um regime a outro?­ 

A esta pergunta, o materialismo histórico res­ponde negativamente. 

O meio geográfico é incontestavelmente uma das condições permanentes e necessárias do desenvolvimento da sociedade e é evidente que influencia este desenvolvimento: acelera ou retar­da o curso do desenvolvimento social. Mas esta influência não é determinante, pois as transforma­ções e o desenvolvimento da sociedade se realizam incomparavelmente mais depressa do que as trans­formações e o desenvolvimento do meio geográfi­co. Em três mil anos, a Europa viu sucederem-se três regimes sociais diferentes: a comuna primiti­va, a escravatura, o regime feudal; e no Leste da Europa, no território da U.R.S.S., houve mesmo quatro. 

Ora, no mesmo período, as condições geo­gráficas da Europa, ou não mudaram em nada, ou mudaram em tão pouco que os geógrafos se abs­têm de falar disso. E isto é aceito assim. Para que se produzam transformações, por pequenas que sejam, no meio geográfico, são necessários milhões de anos, enquanto bastam algumas cente­nas de anos ou cerca de dois mil anos para que se verifiquem transformações muito importantes no regime social dos homens. 

Por aqui se vê que o meio geográfico não pode ser a causa principal, a causa determinante do desenvolvimento social, pois o que permanece quase imutável durante dezenas de milhares de anos, não pode ser a causa principal do desenvolvi­mento daquilo que está sujeito a mudanças radi­cais no espaço de algumas centenas de anos. 

Prossigamos. É certo, em seguida, que também o cresci­mento e a densidade da população, fazem parte da noção de “condições da vida material da socieda­de”, pois os homens são um elemento indispensá­vel das condições da vida material da sociedade, e sem um mínimo de homens não se poderia conce­ber nenhuma vida material da sociedade. Não será o crescimento da população a força principal que determina o carácter do regime social dos homens? 

A esta pergunta, o materialismo histórico res­ponde também negativamente. 

Com certeza, que o crescimento da população exerce influência sobre o desenvolvimento social, facilita-o ou atrasa-o; mas não pode ser a força principal do desenvolvimento social e a influência que exerce sobre este não pode ser determinante, pois o crescimento da população, por si só, não nos dá a chave deste problema: por que é que a tal regime social sucede precisamente tal regime social novo, e não outro? Por que é que à comuna primitiva sucede precisamente a escravatura? A escravatura, o regime feudal? Ao regime feudal, o regime burguês, e não qualquer outro regime? 

Se o crescimento da população fosse a força determinante do desenvolvimento social, uma maior densidade da população deveria necessaria­mente dar origem a um tipo superior do regime social. Mas na realidade, não se verifica isto. A densidade de população na China é quatro vezes mais elevada do que a dos Estados Unidos; contu­do, os Estados Unidos estão a um nível mais eleva­do do que a China do ponto de vista do desenvolvi­mento social: na China existe ainda um regime semi-feudal, enquanto os Estados Unidos atingi­ram, desde há muito tempo, o estado superior do desenvolvimento capitalista. A densidade da popu­lação, na Bélgica, é dezanove vezes mais elevada que a dos Estados Unidos e vinte e seis vezes mais elevada que a da U.R.S.S.; contudo, os Estados Unidos estão a um nível mais elevado que a Bélgica do ponto de vista do desenvolvimento social; e em relação à U.R.S.S., a Bélgica está atrasada de toda uma época histórica: na Bélgica domina o regime capitalista, enquanto a U.R.S.S. já acabou com o capitalismo; instituiu o regime socialista.

Resulta daí, que o crescimento da população não é, e não pode ser, a força principal do desenvolvimento da sociedade, a força que determina o carácter do regime social, a fisionomia da socieda­de. 

a) Mas então qual é pois, no sistema das con­dições da vida material da sociedade, a força prin­cipal que determina a fisionomia da sociedade, o carácter do regime social, o desenvolvimento da sociedade de um regime para outro? 

O materialismo histórico considera que esta força é o modo de obtenção dos meios de existência necessários à vida dos homens, o modo de produção dos bens materiais: alimentos, vestuário, calçado, habitação, combustível, instrumentos de produ­ção, etc., necessários para que a sociedade possa viver e desenvolver-se. 

Para viver, é preciso dispor de alimentos, ves­tuário, calçado, uma habitação, combustível, etc.; para ter estes bens materiais, é preciso produzi-los, e para os produzir, é necessário dispor dos instru­mentos de produção com a ajuda dos quais os homens produzem os alimentos, o vestuário, o calçado, a habitação, o combustível, etc.; é neces­sário produzir estes instrumentos, é preciso nos servirmos deles. 

Os instrumentos de produção com a ajuda dos quais são produzidos os bens materiais, os homens que manejam estes instrumentos de produção e produzem os bens materiais, graças a uma certa experiência da produção e aos hábitos de trabalho, eis os elementos que, tomados em conjunto, cons­tituem as forças produtivas da sociedade. 

Mas as forças produtivas não são senão um aspecto da produção, um aspecto do modo de pro­dução, aquele que exprime o comportamento dos homens em relação aos objectos e às forças da natu­reza de que eles se servem para produzirem os bens materiais. O outro aspecto da produção, o outro aspecto do modo de produção, são as rela­ções entre os homens no processo da produção, as relações de produção existentes entre os homens. Na sua luta com a natureza, que eles exploram para produzir os bens materiais, os homens não estão isolados uns dos outros; produzem em comum, em grupos, em associações. É por isso que a produção é sempre, e sejam quais forem as condi­ções, uma produção social. Na produção dos bens materiais, os homens estabelecem entre eles tais ou tais relações de produção. Estas últimas podem ser relações de colaboração e de entreajuda entre homens livres de toda e qualquer exploração; podem ser relações de dominação e submissão; podem ser, enfim, relações de transição de urna forma de relações de produção a outra. Mas qual­quer que seja o carácter que revestem as relações de produção, estas são sempre, em qualquer regi­me, um elemento indispensável da produção, assim como as forças produtivas da sociedade. 

Na produção, diz Marx, os homens não actuam só sobre a natureza, mas também uns sobre os outros. Só produzem, colaborando de uma maneira determinada e trocando entre eles as suas actividades. Para produzir, entram em determina­das relações uns com os outros, e não é senão nos limites des­tas relações sociais que se estabelece a sua acção sobre a natu­reza, que se realiza a produção(Trabalho Assalariado e Capi­tal).

Daí resulta que a produção, o modo de produção engloba igualmente as forças produtivas da sociedade, assim como as relações de produção entre os homens, e é assim a encarnação da sua unidade no processo de produção dos bens mate­riais. 

b) A primeira particularidade da produção, é a de que nunca se mantém num dado ponto por mui­to tempo; está sempre a transformar-se e a desen­volver-se; além disso, a mudança do modo de pro­dução, provoca inevitavelmente a mudança de todo o regime social, das ideias sociais, das opi­niões e instituições políticas; a mudança do modo de produção provoca a modificação de todo o sis­tema social e político. Nos diferentes graus do desenvolvimento, os homens se servem de diferen­tes meios de produção, ou mais simplesmente, os homens têm um género de vida diferente. Na comuna primitiva existe um modo de produção ;na escravatura, existe um outro; no feudalismo, um terceiro. e assim sucessivamente. O regime social dos homens, a sua vida espiritual, as suas opiniões, as suas instituições políticas diferem, segundo esses modos de produção. 

Ao modo de produção da sociedade corres­pondem, essencialmente, a própria sociedade, as suas ideias e teorias, as suas opiniões e instituições políticas. 

Ou mais simplesmente: tal tipo de vida, tal tipo de pensamento. 

Isto quer dizer que a história do desenvolvi­mento da sociedade é, antes de mais, a história do desenvolvimento da produção, a história dos modos de produção que se sucedem ao longo dos séculos, a história do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção entre os homens. 

Assim, a história do desenvolvimento social é, ao mesmo tempo, a história dos produtores dos bens materiais, a história das massas laboriosas que são as forças fundamentais do processo de produção e produzem os bens materiais necessá­rios à existência da sociedade. 

Logo, a ciência histórica, se quer ser uma ver­dadeira ciência, não pode reduzir a história do desenvolvimento social, aos. actos dos reis e dos chefes dos exércitos, aos actos dos “conquistado­res” e dos “dominadores” de Estados; a ciência histórica deve, antes de mais, ocupar-se da história dos produtores dos bens materiais, da história das massas laboriosas, da história dos povos. 

Portanto, a chave que permite descobrir .as leis da história da sociedade, deve ser procurada não no cérebro dos homens, não nas opiniões e ideias da sociedade, mas no modo de produção praticado pela sociedade, em cada dado período da história, no económico da sociedade. 

Por isso, a tarefa primordial da ciência históri­ca é o estudo e a descoberta das leis da produção, das leis do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, das leis do desenvolvi­mento económico da sociedade.

Deste modo, o partido do proletariado, se quer ser um verdadeiro partido, deve, antes de mais, adquirir a ciência das leis do desenvolvimen­to da produção, das leis do desenvolvimento económico da sociedade. 

Portanto, para não se enganar em política, o partido do proletariado deve, no estabelecimento do seu programa, assim como na sua actividade prá­tica, e antes de tudo, inspirar-se nas leis do desenvolvimento da produção, nas leis do desenvolvi­mento económico da sociedade. 

c) A segunda particularidade da produção, é a de que as transformações e o seu desenvolvimento começam sempre pela transformação e pelo desenvolvimento das forças produtivas e, antes de mais nada, pela transformação e desenvolvimento dos instrumentos de produção. As forças produtivas são, por consequência, o elemento mais móvel e mais revolucionário da produção. Em primeiro lugar modificam-se e desenvolvem-se as forças produtivas da sociedade; a seguir, em função e em conformidade com estas modificações, modificam-se as relações de produção entre os homens, as suas relações económicas. Isto não significa, contudo, que as relações de produção não exercem influên­cia no desenvolvimento das forças produtivas, e que estas últimas não dependem das primeiras. As relações de produção, cujo desenvolvimento das forças produtivas, actuam, por sua vez, sobre o desenvolvimento ,das forças produtivas, aceleran­do-as ou retardando-as. Além disso, importa salientar que as relações de produção não pode­riam retardar, por muito tempo, o crescimento das forças produtivas e se manterem em contradição com este desenvolvimento, pois as forças produti­vas só podem desenvolver-se completamente se as relações de produção correspondem, ao carácter, ao estado das forças produtivas e dão livre curso i ao desenvolvimento destas últimas. É por esta razão que, qualquer que seja o atraso das relações de produção em relação ao desenvolvimento das forças produtivas, devem, mais cedo ou mais tar­de, acabar por corresponder - é o que se verifica efectivamente - ao nível do desenvolvimento das forças produtivas, ao carácter destas forças produti­vas. Caso contrário, a unidade das forças produti­vas e das relações de produção, no sistema da pro­dução, seria seriamente comprometida e se daria uma ruptura no conjunto da produção, uma crise da produção, a destruição das forças produtivas. 

As crises económicas nos países capitalistas, ­onde a propriedade privada capitalista dos meios de produção está em flagrante contradição com o carácter social do processo de produção, com o carácter das forças produtivas, - são um exemplo do desacordo entre as relações de produção e o carácter das forças produtivas, um exemplo do conflito que as instiga à luta. As crises económicas que conduzem à destruição das forças produtivas são o resultado deste desacordo; além disso, este próprio desacordo é a base económica da revolução social chamada a destruir as relações de produção tatuais e a criar novas relações adequadas ao carácter das forças produtivas.

Pelo contrário, a economia socialista na U.R.S.S., onde a propriedade social dos meios de produção está em perfeito acordo com o carácter social do processo de produção, e onde, por conse­guinte, nem há crises económicas, nem destruição das forças produtivas, é um exemplo do acordo perfeito entre as relações de produção e o carácter das forças produtivas. 

Por isso, as forças produtivas não são apenas o elemento mais móvel e mais revolucionário da produção. São também o elemento determinante do desenvolvimento da produção. 

Tais são as forças produtivas, tais devem ser as relações de produção. 

Se o estado das forças produtivas indica quais os instrumentos de produção com os quais os homens produzem os bens materiais que lhes são necessários, o estado das relações de produção mostra na posse de quem se encontram os meios de produção (a terra, as florestas, a água, o subsolo, as matérias-primas, os instrumentos de produção, as construções de exploração, os meios de trans­porte e de comunicação, etc.); à disposição de quem se encontram os meios de produção, à dispo­sição de toda a sociedade, ou à disposição de determinados indivíduos, de grupos ou de classes que se servem deles para explorar outros indiví­duos, grupos ou classes. 

Eis aqui o quadro esquemático do desenvolvi­mento das forças produtivas desde os tempos mais recuados, até aos nossos dias: transição dos utensílios de pedra aos de metal (machado de ferro, ara­do com relha de ferro, etc.) e, a seguir passagem à cultura das plantas, à agricultura); novo aperfeiçoa­mento dos utensílios de metal para trabalhar os materiais, aparecimento da forja a sopro e da olaria e, a seguir, desenvolvimento das profissões manuais, separação destas e da agricultura, desen­volvimento das profissões manuais independentes e depois manufactura; transição dos instrumentos de produção artesanal à máquina e transformação da produção artesanal-manufaturada, em indústria mecanizada; transição do sistema de máquinas e aparecimento da grande indústria mecanizada moderna: tal é o quadro de conjunto, muito incompleto, do desenvolvimento das forças produ­tivas da sociedade ao longo da história da humani­dade. Daqui resulta que o desenvolvimento e aper­feiçoamento dos instrumentos de produção foram realizados pelos homens, que têm uma relação com a produção, e não independentemente dos homens. Assim, ao mesmo tempo que se transfor­mam e desenvolvem os instrumentos de produção, os homens - elemento essencial das forças produ­tivas -,se transformam e desenvolvem igualmen­te; a sua experiência de produção, os seus hábitos de trabalho, a sua capacidade para manejar os ins­trumentos de produção se transformaram e desen­volveram. 

Foi de acordo com estas transformações e com este desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, ao longo da história, que mudaram e se desenvolveram as relações de produção entre os homens, as suas relações económicas.

A história conhece cinco tipos fundamentais de relações de produção: a comuna primitiva, a escravatura, o regime feudal, o regime capitalista e o regime socialista.

No regime da comuna primitiva, a proprieda­de colectiva dos meios de produção forma a base das relações de produção, o que corresponde, no essencial, ao carácter das forças produtivas neste período. Os utensílios de pedra, assim como o arco e as flechas aparecidos mais tarde, não permitiam aos homens lutar isoladamente contra as forças da natureza e os animais de rapina. Para colher os fru­tos nas florestas, para pescar, para construir qual­quer habitação, os homens eram obrigados a tra­balhar em comum se não queriam morrer de fome ou tornarem-se vítimas dos animais ferozes ou de tribos vizinhas. O trabalho em comum conduziu à propriedade comum dos meios de produção e dos produtos. Nesta altura, ainda não se tem a noção da propriedade privada .dos meios de produção, salvo a propriedade individual de alguns instru­mentos de produção, que são simultaneamente armas de defesa contra os animais de rapina. Aqui não há exploração, nem classes. 

No regime de escravatura, é a propriedade do dono dos escravos sobre os meios de produção e sobre o trabalhador - o escravo, que ele pode ven­der, comprar, matar como se fosse gado -, que forma a base de relação de produção. Estas rela­ções de produção correspondem, no essencial, ao estado das forças produtivas, neste período. Em lugar dos utensílios de pedra os homens dispõem agora de instrumentos de metal; em lugar de uma economia reduzida a uma caça primitiva e miserá­vel, que ignora a criação de animais e a agricultu­ra, aparece a criação de animais, a agricultura, as profissões manuais, a divisão do trabalho entre estes diferentes ramos da produção; vê-se apare­cer a possibilidade de. troca de produtos entre indi­víduos e grupos, a possibilidade de uma acumula­ção de riquezas nas mãos de um pequeno número de homens, a acumulação real dos meios de produ­ção nas mãos de uma minoria, a possibilidade da minoria submeter a maioria e a transformação dos membros da maioria em escravos. Aqui, já não há trabalho comum e livre de todos os membros da sociedade no processo da produção; aqui, predo­mina o trabalho forçado dos escravos, explorados por patrões ociosos. 

É por isso que já não há pro­priedade comum dos meios de produção, nem de produtos. Foi substituída pela propriedade priva­da. Aqui, o dono dos escravos é o primeiro e o principal proprietário, o proprietário absoluto. 

Ricos e pobres, exploradores e explorados, pessoas que têm todos os direitos e pessoas que não têm direito nenhum, uma dura luta de classes entre uns e outros: tal é o quadro do regime da escravatura. 

No regime feudal, é a posse do senhor feudal sobre os meios de produção e a sua posse limitada sobre o trabalhador - o servo que o senhor feudal já não pode matar, mas pode vender e comprar -, que formam a base das relações de produção. A propriedade feudal coexiste com a posse indivi­dual do camponês e do artesão, dos instrumentos de produção e sobre a sua economia privada, baseada no seu trabalho pessoal. Estas relações de produção correspondem, no essencial, ao estado das forças produtivas neste período. Aperfeiçoa­mento da fundição e do tratamento do ferro, emprego generalizado da charrua e do trabalho de tecelagem, desenvolvimento contínuo da agricul­tura da jardinagem, da indústria vinícola, fabrico do azeite, aparecimento das manufacturas ao lado das oficinas de artesãos: tais são os traços caracte­rísticos do estado das forças produtivas.

As novas forças produtivas exigem que o tra­balhador dê provas de uma certa iniciativa na pro­dução, de gosto pela obra, de interesse no traba­lho. É por essa razão que o senhor feudal, renun­ciando a um escravo, que não tem interesse no tra­balho, é absolutamente desprovido de iniciativa, prefere tratar com um servo que possui a sua pró­pria exploração, os seus instrumentos de produção e que tem algum interesse no trabalho, interesse indispensável para que cultive a terra e pague da sua recolha, ao senhor feudal, uma renda em pro­dutos agrícolas. 

Aqui, a propriedade privada continua a evoluir. A exploração é quase tão dura como na escravatura; apenas está camuflada. A luta de clas­ses entre os exploradores e os explorados é a característica essencial do regime feudal. 

No regime capitalista, é a propriedade capita­lista dos meios de produção que forma a base das relações de produção: a posse dos produtores, dos trabalhadores assalariados, já não existe; o capita­lista não pode matá-los nem vendê-los, pois eles estão libertos de qualquer dependência pessoal; mas estão privados dos meios de produção e, para não morrerem de fome, são forçados a vender a sua força de trabalho ao capitalista e a suportar o jugo da exploração. Ao lado da propriedade capi­talista dos meios de produção, existe, largamente propagada nos primeiros tempos, a propriedade privada do camponês e do artesão libertos da ser­vidão, sobre os meios de produção, propriedade baseada no trabalho pessoal. As oficinas de arte­sãos e as manufacturas deram lugar a enormes fábricas apetrechadas com máquinas. Os domínios dos senhores, que eram cultivados com os instrumentos primitivos dos camponeses, deram lugar a poderosas explorações capitalistas geridas na base da ciência agronómica e providas de máquinas agrícolas.

As novas forças produtivas exigem que os tra­balhadores sejam mais cultos e mais inteligentes do que os servos ignorantes e embrutecidos; que sejam capazes de compreender a máquina e sai­bam manejá-la convenientemente. Também os capitalistas preferem tratar com trabalhadores assalariados, libertos dos entraves da servidão, suficientemente cultos para operar conveniente­mente as máquinas. 

Mas para ter desenvolvido as forças produti­vas em proporções gigantescas, o capitalismo gerou contradições insolúveis. Ao produzir quanti­dades cada vez maiores de mercadorias e reduzin­do os preços, o capitalismo acentua a concorrên­cia, arruína os pequenos e médios proprietários, os reduz ao estado de proletários e diminui o seu poder de compra; resulta que se torna impossível o escoamento das mercadorias fabricadas. Ao expandir a produção e agrupar, nas enormes fábri­cas, milhões de operários, o capitalismo dá um carácter social ao processo de produção e com isso mina a sua própria base; pois o carácter social do processo de produção exige a propriedade social dos meios de produção; ora, a propriedade dos meios de produção mantém-se como uma proprie­dade privada, capitalista, incompatível com o carácter social do processo de produção. 

São as contradições irreconciliáveis entre o carácter das forças produtivas e as relações de produção que se manifestam nas crises periódicas de superprodução; os capitalistas, na falta de com­pradores solvíveis, por causa da ruína das massas de que eles são os verdadeiros responsáveis, são obrigados a queimar géneros de consumo, destruir mercadorias já fabricadas, interromper a produ­ção, destruir as forças produtivas, e, apesar disso, milhões de homens estão desempregados e têm fome, não porque faltem mercadorias, mas porque produziram demasiado. 

Isso significa, que as relações de produção capitalistas já não correspondem ao estado das for­ças produtivas da sociedade, e entraram em con­tradição insolúvel com estas. 

Isso significa que o capitalismo necessita de uma revolução para substituir a actual propriedade capitalista do meios de produção, pela proprieda­de socialista. 

Isso significa que a característica essencial do regime capitalista é uma luta de classes, das mais agudas,. entre exploradores e explorados. 

No regime socialista que, até este momento, só está estabelecido na U.R.S.S., é a propriedade social dos meios de produção que forma a base das relações de produção. Aqui, já não há explorado­res nem explorados. Os produtos são repartidos mediante o trabalho fornecido por cada um e segundo o princípio: “Quem não trabalha, não come”. 

As relações entre os homens, no processo de produção, são relações de colaboração fraterna e de entreajuda socialista dos trabalhadores liber­tos da exploração. As relações de produção estão perfeitamente adequadas ao estado das forças pro­dutivas, pois o carácter social do processo de pro­dução está alicerçado na propriedade social dos meios de produção.

É isto que faz com que a produção socialista na U.R.S.S. ignore as crises periódicas de super­produção e todos os outros absurdos que daí resul­tam. 

É isto que faz com que aqui as forças produti­vas se desenvolvam com um ritmo acelerado pois as relações de produção que Lhes são convenientes dão livre curso a este desenvolvimento.

Tal é o quadro do desenvolvimento das rela­ções de produção entre os homens, ao longo da história da humanidade. 

Tal é a dependência do desenvolvimento das relações de produção em relação ao desenvolvi­mento das forças produtivas da sociedade, e, antes de mais, em relação ao desenvolvimento dos ins­trumentos de produção, dependência que faz com que as transformações e o desenvolvimento das forças produtivas dum lugar, mais cedo ou mais tarde, a uma transformação e a um desenvolvi­mento correspondentes das relações de produção. 

O emprego e a criação dos meios de trabalho (Por meios de trabalho, Marx entende principal­mente os instrumentos de produção. J.Bta/in.) apesar de se encontrarem em embrião em algumas espécies animais, caracterizam eminentemente o trabalho humano. Também Franklin dá esta definição de homem: o homem é um animal que fabrica utensílios (a toolmaking anima). Os restos dos antigos meios de trabalho têm, para o estudo das formas económicas das sociedades desaparecidas, a mesma importância que a estrutura dos ossos fósseis para o conhecimento da organização das raças extintas. Aquilo que distingue uma época económica de outra, é menos aquilo que se fabrica, do que como é fabricado... Os meios de trabalho são a escala do desenvolvimento do trabalhador, e os expositores das rela­ções sociais, nas quais ele trabalha. (K. Marx: O Capital). 

E mais adiante:

As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção e ao mudar o modo de. pro­dução, a maneira de ganhar a vida, mudam todas as suas relações sociais. A azenha vos dará a sociedade com o suse­rano (o senhor feudal J. Stalin); o moinho a vapor, a socie­dade com o capitalismo industrial (K. Marx: Miséria da Filo­sofia, resposta à Filosofia da Miséria, de M. Proudhon). 

Há um movimento contínuo de crescimento nas forças produtivas, de destruição nas relações sociais, de formação nas ideias; não há nada mais imutável que a abstracção do movimento. (Ibidem). 

Definindo o materialismo histórico, formulado no Manifesto do Partido Comunista, diz Engels: 

...A produção económica e a estrutura social, que dai resulta necessariamente, formam, em cada época histórica, a base da história política e intelectual dessa época;... por ISSO, (depois da dissolução da primitiva propriedade comum do solo), toda a história foi uma história de luta de classes, de lutas entre classes exploradas e classes exploradoras, entre classes dominadas e classes dominantes, nas diferentes eta­pas do seu desenvolvimento social;... esta luta atingiu actualmente uma etapa em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não pode se libertar da classe que a explora e oprime (a burguesia), sem libertar simultaneamente, e para sempre, toda a sociedade da exploração, da opressão e das lutas de classes... (F. Engels: prefácio à edição alemã de 1883 do Manifesto do Partido Comunista).

d) A terceira particularidade de produção é a de que as novas forças produtivas e as relações de produção que lhes correspondem não aparecem fora do antigo regime e depois do seu desapareci­mento; aparecem no próprio seio do velho regime; não são o efeito de uma dão consciente, premedi­tada pelos homens. Surgem espontâneas e inde­pendentes da vontade dos homens, por duas razões:

Em primeiro lugar, porque os homens não são livres na escolha do modo de produção; cada nova geração, na sua entrada na vida, encontra forças produtivas e relações de produção já esta­belecidas, criadas pelo trabalho das gerações pre­cedentes; também cada nova geração é obrigada a aceitar, de início, tudo o que encontra estabeleci­do no domínio da produção e a adaptar-se para poder produzir bens materiais.

Em segundo lugar, porque ao aperfeiçoar este ou aquele instrumento de produção, este ou aque­le elemento das forças produtivas, os homens não têm consciência dos resultados sociais, aos quais devem conduzir estes aperfeiçoamentos; não o compreendem e não pensam nisso, não pensam senão nos seus interesses quotidianos, em tornar o seu trabalho mais fácil e em obter uma vantagem imediata e tangível.

Quando alguns membros da comuna primitiva começaram, pouco a pouco, e às apalpadelas, a passar dos utensílios de pedra aos utensílios de ferro, ignoravam evidentemente os resultados sociais a que levaria esta inovação; não pensavam nisso; não tinham consciência, não compreendiam que a adopção dos utensílios de metal significava uma revolução na produção, que essa revolução levaria finalmente ao regime de escravatura. O que eles queriam, era, simplesmente, tornar o trabalho mais fácil e obter uma vantagem imediata e palpá­vel; a sua actividade consciente limitava-se ao qua­dro estreito desta vantagem pessoal, quotidiana. 

Quando, no regime feudal, a jovem burguesia da Europa começou a construir, ao lado das pequenas oficinas de artesãos, grandes fábricas, fazendo assim progredir as forças produtivas / da sociedade, ignorava evidentemente as consequências sociais que resultariam dessa inovação; não pensava nisso; não tinha consciência, não com­preendia que esta “pequena” inovação levaria a um reagrupamento das forças sociais, que deveria terminar com uma revolução contra o poder real do qual apreciava tanto a benevolência, assim como contra a nobreza na qual muitos dos melho­res representantes desta burguesia sonhavam entrar; o que queria era simplesmente diminuir o custo da produção das mercadorias, lançar. uma maior quantidade de mercadorias nos mercados da Ásia e nos da América, que acabava de ser desco­berta, e conseguir maiores lucros; a sua actividade consciente limitava-se ao quadro estreito destes interesses práticos, quotidianos. 

Quando os capitalistas russos, de acordo com os capitalistas estrangeiros, implantaram altivamente na Rússia a grande indústria mecanizada moderna, sem tocar no czarismo e lançando os camponeses como repasto aos grandes latifundiá­rios, ignoravam evidentemente as consequências sociais que resultariam desse considerável cresci­mento das forças produtivas, não pensavam nisso; não tinham consciência, não compreendiam que este considerável salto das forças produtivas da sociedade daria origem a um reagrupamento das forças sociais, que permitiria ao proletariado se associar ao campesina to e fazer triunfar a revolu­ção capitalista. O que eles queriam, era simples­mente expandir até ao extremo a produção indus­trial, tornarem-se senhores de um imenso mercado interior, monopolizar a produção e extrair, da eco­nomia nacional, o maior lucro possível; a sua actividade consciente não ia além dos seus interesses quotidianos, puramente práticos.

Marx disse a este respeito:

Na produção social da sua existência (isto é, na produção dos bens materiais necessários à vida dos homens. J. Stalin), os homens entram em determinadas relações necessárias, independentes (Sublinhado pelo autor.) da sua vontade; estas relações de produção correspondem a um dado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. (Prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política).

Isto não significa, contudo, que a mudança das relações de produção e a passagem das antigas relações de produção às novas, se efectuem uniformemente, sem sacudidelas nem conflitos. Pelo contrário, esta passagem opera-se habitualmente com o derrube revolucionário das antigas relações de produção e com o estabelecimento de novas relações. Até um certo momento, o desenvolvimento das forças produtivas e as transformações, no domínio das relações de produção, efectuam-se espontaneamente, sem depender da vontade dos homens. Mas só assim até um certo momento, até ao momento em que as forças produtivas, que já surgiram e se desenvolvem, estiverem suficientemente maduras. Quando as novas forças produtivas atingem a maturidade, as relações de produção existentes e as classes dominantes que as personificam, transformam-se numa barreira intransponível, que só pode ser afastada do caminho pela actividade consciente de novas classes, pela acção violenta destas classes, pela revolução. É então que aparece de uma maneira impressionante o papel imenso das novas ideias sociais, das novas instituições políticas, do novo poder político, chamados a suprimir pela força as antigas relações de produção. O conflito entre as novas forças produtivas e as antigas relações de produção, as novas necessidades económicas da sociedade dão origem a novas ideias sociais; estas novas ideias organizam e mobilizam as massas, estas unem-se a um novo exército político, criam um novo poder revolucionário e servem-se dele para suprimir pela força a antiga ordem de coisas no domínio das relações de produção, para instituir um novo regime. O processo espontâneo de desenvolvimento dá o lugar à actividade consciente dos homens; o desenvolvimento pacífico, a uma agitação violenta; a evolução, à revolução. ­

O proletariado, diz Marx, na sua luta contra a burguesia. Organiza-se forçosamente em classe... passa. por uma revolução. a classe dominante e. como classe dominante. destrói violentamente o antigo regime de produção (K. Marx e F. Engels: O Manifesto do Partido Comunista). 

E mais adiante: O proletariado se servirá da sua suprema política para arrancar, pouco a pouco, todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante, e para aumentar tão depressa quanto possível a quantidade das forças produtivas. (Ibidem). A força é a parteira de toda a velha sociedade em actividade. (O Capital. livro primeiro).

No histórico prefácio da sua célebre obra Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859), Marx dá uma definição genial da própria essência do materialismo histórico:

Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade; estas relações de produção correspondem a um dado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constituía estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma super estrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual, em geral. Não é a consciência dos homens que determina a sua existência; é, pelo contrário; a existência social que determina a sua consciência. Em determinado grau do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não passa da sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais tatuavam até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram, estas relações passam a ser um entrave para estas forças. 

Então inicia-se uma época de revoluções sociais. A mudança da base económica transforma, mais ou menos lenta ou rapidamente, toda a formidável super estrutura. Quando se estuda essas transformações, é preciso distinguir sempre a mudança material - constatada com uma precisão própria das ciências naturais - das condições económicas da produção e as formas jurídicas políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas, nas quais os homens concebem este conflito e o combatem. Assim como não se pode julgar um indivíduo pela ideia que ele tem de si próprio, também não se pode julgar uma tal época de transformações pela sua consciência; mas é preciso explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que opõe as forças produtivas da sociedade e as relações de produção. Uma formação social nunca morre antes de terem se desenvolvido todas as forças produtivas, às quais pode dar livre curso; nunca aparecem novas relações de produção, superiores às antigas, antes de terem morrido as suas condições materiais no seio da velha sociedade. É por esta razão que nunca se põem, à Humanidade, problemas que ela não possa resolver; pois, por pouco que considerem as coisas, se reconhecerá sempre que o problema em si não surge senão quando existem ou pelo menos estão em formação, as condições naturais para a sua solução. 

Eis o que ensina o materialismo marxista aplicado à vida social, à história da sociedade. 

Tais são as características fundamentais do materialismo dialéctico e histórico. 



Versão retirada do blog de Blasco Miranda de Ourofino, cotejado pela tradução francesa da Editions de l’Evidence, http://pt.scribd.com/doc/63533681/Mat-Dial, revista, passada para português de Portugal.