Para Belle e Giovanni
É fantástico! Estava eu ocupado a escrever um texto de resposta às questões suscitadas pela poetiza Belle, no comentário ao meu texto sobre Piet Hein, quando o Giovanni me apanhou na curva, numa errada referência a Ken Wilber no meu último texto sobre sexualidades, o que me obrigou a colocar no referido texto, uma chamada de correcção e um link para um texto de Ken Wilber explicando a questão da “Falácia pré/trans”. Pretendendo rapidamente dar a mão à palmatória, quis também publicar aqui uma tradução para português desse texto.
Se eu misturasse os dois assuntos, aparecia a amiga Aldina a comentar, com a sua mente de engenheira, que os assuntos nada tinham a ver um, com o outro. Teria, portanto, de fazer duas “postagens” diferentes…
Ponho-me a traduzir e não é que muito do que eu queria responder à poetisa Belle pode inferir-se do texto de Ken Wilber?
De facto, tudo está relacionado com tudo…!
Vou colar a seguir a tradução. Mais tarde, vou intercalar no texto uns bonecos. Não têm nada a ver com o texto, são só para guiar os que me lêem em diagonal. Os que me lêem com atenção, por favor, apreciem os bonecos depois da leitura.
Se eu misturasse os dois assuntos, aparecia a amiga Aldina a comentar, com a sua mente de engenheira, que os assuntos nada tinham a ver um, com o outro. Teria, portanto, de fazer duas “postagens” diferentes…
Ponho-me a traduzir e não é que muito do que eu queria responder à poetisa Belle pode inferir-se do texto de Ken Wilber?
De facto, tudo está relacionado com tudo…!
Vou colar a seguir a tradução. Mais tarde, vou intercalar no texto uns bonecos. Não têm nada a ver com o texto, são só para guiar os que me lêem em diagonal. Os que me lêem com atenção, por favor, apreciem os bonecos depois da leitura.
A Falácia Pré/Trans
Texto transcrito de SEXO, ECOLOGIA E ESPIRITUALIDADE, por Ken Wilber
© 1995, 2000 por Ken Wilber. Por acordo com Shambhala Publications, Inc., Boston, www.shambhala.com
Traduzido do inglês, por Álvaro Costa
Desde que comecei a escrever sobre as diferenças entre estados de consciência pré-racionais (ou pré-pessoais) e estados trans-racionais (ou transpessoais) – sobre o que chamei de falácia pré-trans – fui ficando cada vez mais convencido da importância crucial da sua compreensão para se apreender a natureza de estados de consciência mais elevados (ou profundos) ou verdadeiramente espirituais.
A essência da falácia pré/trans é em si própria, bastante simples: Uma vez que os dois estados, pré-racional e trans-racional são, cada um ao seu modo, não-racionais, parecem semelhantes ou, mesmo, idênticos aos olhos dos leigos. E uma vez que se confundem estes dois estados, ocorre uma das seguintes falácias:
Na primeira, todos os estados superiores e trans-racionais são reduzidos aos estados inferiores ou pré-racionais. Experiências autenticamente místicas ou contemplativas, por exemplo, são vistas como uma regressão ou recuo aos estados infantis de narcisismo, indiferenciação oceânica, indissociação e até autismo primitivo. Por exemplo, é precisamente este o caminho seguido por Freud em O Futuro de Uma Ilusão.
Nestas descrições reducionistas, a racionalidade é o grande ponto final do desenvolvimento individual e colectivo, o ponto mais alto da evolução. Não é suposto existir nenhum contexto superior, mais largo ou profundo. Portanto, a vida é para ser vivida ou racional, ou neuroticamente (o conceito freudiano de neurose é, basicamente, de tudo o que se afaste do aparecimento da percepção racional – verdade, em si, mas que não vai longe). Uma vez que não se concebe como real, ou de facto existente, nenhum contexto mais elevado, sempre que ocorre uma ocasião genuinamente trans-racional, ela é imediatamente explicada como uma regressão às estruturas pré-racionais (uma vez que não se admitem outras estruturas não-racionais, essas são as únicas que aceitam uma hipótese explanatória). O superconsciente reduz-se ao subconsciente, o transpessoal cai no pré-pessoal, a emergência do superior é reinterpretada como uma irrupção do inferior. Todos respiram de alívio quando o mundo racional não é abalado nos seus fundamentos (pela “maré negra do ocultismo” tal como Freud erradamente explicou a Jung).
Por outro lado, se se simpatiza com estados mais elevados ou místicos, mas se ainda se confundem estados pré com trans, então vai-se elevar todos os estados pré-racionais a uma espécie de glória transracional (o narcisismo primário infantil, por exemplo, é visto como um abandono inconsciente na comunhão mística). Jung e os seus seguidores, claro, seguiram por aí muitas vezes e viram como sendo estados profundamente transpessoais e espirituais meros estados indissociados e indiferenciados, sem nenhuma espécie de integração.
Na posição elevacionista, a união trans-racional e transpessoal é vista como o Ponto Magno, e uma vez que a racionalidade egóica tende de facto a negar este estado superior, então apresenta-se a racionalidade egóica como o ponto mais baixo das possibilidades humanas, como uma inferiorização, como a causa do pecado, da separação e da alienação. Quando se vê a racionalidade como o ponto mais baixo, como o grande Anticristo, então, qualquer coisa não-racional é projectada para cima e indiscriminadamente glorificada como caminho directo para o Divino, incluindo-se aí muito do que é infantil, regressivo e pré-racional: Qualquer coisa que liberta da malvada e céptica racionalidade. “acredito porque é absurdo” (Tertullian) – Este é o grito de guerra elevacionista (uma linha profundamente recorrente em todos os Romantismos).
Freud era um reducionista, Jung, um elevacionista – os dois lados da falácia pré/trans. E a questão é que ambos estão meio certos e meio errados. Grande parte das neuroses são de facto fixações/regressões a estados pré-racionais, estados que não têm nada de glorioso. Por outro lado, estados místicos existem de facto, para além (não abaixo) da racionalidade e esses estados não são para reduzir.
Durante a maior parte da era moderna recente e, de certeza, desde Freud (e Marx e Ludwig Feuerbach), a posição reducionista relativamente à espiritualidade prevaleceu – Todas as experiências espirituais, não importava quão elevadas pudessem de facto ser, eram interpretadas como simples regressões aos modos primitivos e infantis de pensamento. Contudo, como se em reacção exagerada a isso tudo, estamos agora, e temos estado desde os anos sessenta, a gerar várias formas de elevacionismo (como fez, por exemplo, mas não só, o movimento New Age). Toda a espécie de acções, seja qual for a sua origem ou autenticidade, são simplesmente elevadas ao esplendor trans-racional e espiritual, e a única qualidade necessária para esta maravilhosa promoção, é que essa acção seja não-racional. Tudo o que é racional, é errado, tudo o que é não-racional é espiritual.
O espírito é, de facto, não-racional; mas é trans, não, pré. Transcende mas inclui a Razão; não a faz regredir nem a exclui. A Razão, como qualquer estádio particular da evolução, tem as suas próprias (por vezes devastadoras) limitações repressões e distorções. Mas, como vimos, os problemas de um determinado nível, resolvem-se no nível de desenvolvimento seguinte; Não se resolvem voltando ao nível anterior, onde o problema seria simplesmente ignorado. E é assim com as maravilhas e terrores da Razão: ela traz muitas novas capacidades e soluções, introduzindo, ao mesmo tempo, os seus problemas específicos, problemas resolvidos apenas pela transcendência para níveis superiores e trans-racionais.
Muitos movimentos elevacionistas estão, infelizmente, não para além da Razão, mas abaixo dela. Acham que são, e assim se anunciam, escaladores da Montanha da Verdade; quando, parece-me a mim, apenas escorregaram, caíram e estão a deslizar rapidamente encosta abaixo e chamam à louca corrida descendente pela encosta da evolução “entrar em êxtase”. À medida que o chão se aproxima deles a uma velocidade mortal, têm a lata de apresentar esta trajectória de colisão com o chão como o novo paradigma da transformação mundial que se aproxima, e lamentam os que ficam a ver a sua queda eminente como quem vê um choque em cadeia na Auto-estrada, e abanam a cabeça tristemente, por verem que declinamos a entrada nessa sua aventura. O verdadeiro êxtase espiritual, de dimensão infinita, fica no cimo dessa colina, não lá em baixo.
[Nota: Encontra-se uma descrição mais detalhada da falácia da pré/trans no livro Eye to Eye.]