sábado, outubro 30, 2010

Cais das Colunas e OSHO - Versão Abreviada da Tradução Anterior

Tenho que pedir desculpa aos meus leitores! De facto, um texto de mais de 4 páginas é demasiada pedra para partir...!
Mas como eu acho que o texto do OSHO que traduzi e apresentei a semana passada é muito interessante e pode originar uma boa polémica, resolvi insistir, agora numa versão abreviada com mais ou menos 3 páginas, e com umas imagens intermédias, de minha autoria, para descansarem entre parágrafos. Será desta que vão ler tudo e fazer comentários como deve ser?
Aqui vai:

O QUE É ESTE ANSEIO EM MIM QUE NENHUM RELACIONAMENTO PODE SATISFAZER, QUE NÃO HÁ LÁGRIMAS QUE ALIVIEM, QUE NÃO É ALTERADO POR MUITOS E BELOS SONHOS E AVENTURAS?



Prem Kavita, é assim, não só consigo, mas com qualquer pessoa que tenha um pouco de inteligência. Isso não é sentido por gente estúpida, mas a pessoa inteligente está, mais tarde ou mais cedo, condenada a tropeçar com o facto  e quanto mais inteligente for, tanto mais cedo vai acontecer – de que nenhum relacionamento a pode satisfazer.

Porquê? — porque cada relacionamento é apenas uma seta de indicação para a relação final; é um marco, não é uma meta. Cada caso de amor é apenas um sinal indicativo para um caso de amor maior lá mais para a frente – é apenas um gostinho, mas esse gostinho não vai saciar sua sede ou satisfazer sua fome. Pelo contrário, esse gostinho fará com que você fique ainda mais sedento, vai fazê-lo mais faminto.

É o que acontece em todas as relações. Ao invés de o satisfazer, dá-lhe uma enorme insatisfação. Cada relação falha neste mundo - e é bom que falhe; teria sido uma maldição se não fosse assim. É uma bênção esse falhar. Porque cada relacionamento falha, é por isso que você começar a procurar o relacionamento supremo com deus, com a existência, com o cosmos.

Você vê a futilidade uma e outra e outra vez, que não se vai ser satisfeito por nenhum homem, por nenhuma mulher; que cada experiência acaba numa enorme frustração, começa com uma grande esperança e deixa-lo no grande desespero. É sempre assim, chega num grande romance e termina num gosto amargo. Quando isso acontece uma e outra vez, tem que se aprender algo - que cada relacionamento é apenas uma experiência para o preparar para a relação final, para o supremo caso de amor.

(…)

É disso que trata a religião. Você diz: "o que é este anseio dentro de mim que nenhuma relação consegue satisfazer"? É o anseio por deus. Pode ter consciência disso, pode não ter. Poderá ainda nem ser capaz de expressar, exacta-mente o que é, porque no início é muito vago, nublado, cercado por grande névoa. Mas é o anseio por deus, é o desejo de fundir-se com o todo, para que acabe a separação.

Você não se pode unir com um homem ou uma mulher para sempre, a separação terá que acontecer. Essa fusão só pode ser momentânea e depois que esse momento desaparece você vai ficar numa profunda escuridão. Depois que o flash, que o relâmpago, se foi, a escuridão vai ser ainda maior do que dantes. É por isso que milhões de pessoas decidem não entrar em qualquer relacionamento amoroso - porque pelo menos uma pessoa fica habituada à escuridão e, se não conheceu outra coisa, tem uma certa satisfação: sabe que a vida é isso, que há não nada há mais do que isso, portanto não há nenhuma insatisfação.

Uma vez que você tenha provado o amor, uma vez que você tenha vivido esses momentos de alegria, dessa tremenda pulsação quando duas pessoas já não são dois.... Mas você cai uma vez e outra dessas alturas; e de cada vez que cai, a escuridão é muito mais escura do que dantes, porque agora você sabe o que é luz.

Agora você sabe que existem esses picos elevados, agora você sabe que a vida tem muito mais para lhe oferecer, que esta existência mundana de ir ao escri-tório todos os dias e voltar para casa e comer e dormir - que essa existência mundana não é tudo, que esta existência mundana é apenas a entrada do palácio.

Se você nunca foi convidado a entrar e tem vivido sempre no lado de fora da porta, então, você acha que isso é o que a vida é, vive no alpendre. Uma vez que uma janela é aberta e você pode ver o interior do palácio   a sua beleza, a sua grandiosidade, o seu esplendor — ou quando é convidado a entrar um bocadinho e logo posto para fora mais uma vez, então o alpendre já não pode satisfazê-lo. Agora este alpendre passa a ser um fardo pesado em seu coração. Agora você vai sofrer, sua agonia vai ser grande.

Esta é a minha observação, que as pessoas que são muito pouco criativas andam mais satisfeitas do que as pessoas que são criativas. A pessoa criativa fica muito insatisfeita, porque sabe que muito mais é possível mas que isso não está a acontecer. Porque não acontece?

A pessoa criativa está constantemente à procura; não pode estar descansado, porque viu alguns relances. De vez em quando abriu-se uma janela e ele viu lá para dentro. Como pode ele ficar em paz? Como pode ele sentir-se confortável e aconchegado naquele estúpido alpendre? Ele sabe do palácio, viu o rei também e sabe, "aquele palácio pertence-me, tenho direito a ele desde que nasci” tudo que é preciso saber é como entrar no palácio, como se tornar um residente permanente nele. Sim, momentaneamente ele entrou, mas tem sido constantemente posto fora.

Quanto mais sensível uma pessoa é, mais descontente se vê. Quanto mais inteligente, mais descontentamento encontrará. Tem sido sempre assim.

(…)

Os ocidentais estão a tornar-se insatisfeitos porque o conforto, as comodidades, tudo o que a ciência lhes tem proporcionado, deu-lhes tanto tempo para explorar, para meditar, rezar, para tocar música, dançar, que alguns vislumbres começaram a acontecer. Eles estão a tornar-se conscientes de que há muito mais na vida do que aparece na superfície, tem que se mergulhar bem fundo.

(…)

Uma vez que um país se torna rico, torna-se sensível. Uma vez que um país se torna rico, influente, toma conhecimento das muitas, muitas dimensões da vida que sempre estiveram lá, mas não se tinha tempo para ver. O país rico começa a pensar de música, pintura, poesia e, finalmente, meditação - porque a meditação é o último luxo. Não há nenhum luxo maior do que a meditação. Meditação é o último luxo, porque é o último caso de amor.

É bom, Kavita, que os seus relacionamentos não o satisfaçam. Os indianos estão muito satisfeitos, porque na verdade, eles não têm nenhuma relaciona-mento de todo. Casamento, não tem nada a ver com um relacionamento. Os pais decidiram e os astrólogos e quiromantes. Não tem nada a ver com as pes-soas que se vão casar; eles não são sequer ouvidas, simplesmente são coloca-das numa determinada situação em que começam a viver juntos. Isso não é um relacionamento.

Eles poderão produzir as crianças, mas isso não é amor: não há nada de romance. Mas uma coisa isso tem de bom: é muito estável. Quando não há nenhum relacionamento não há nenhuma possibilidade de divórcio. O divórcio é possível somente se houver amor. Tente compreender-me: o amor significa grandes esperanças, o amor significa "eu cheguei". O amor significa "eu encontrei a mulher ou o homem". O amor significa a sensação de que "nós somos feitos para um o outro". Amor significa que já não há nenhuma necessidade de procurar mais.

Se você partir dessas grandes esperanças, quando a lua de mel acaba, a relação acabará. Aquelas grandes esperanças não podem ser cumpridas por seres humanos. Você espera que a mulher seja uma deusa: não é. Ela espera que o homem seja um deus; ele não é. Então, quanto tempo podem se ir iludindo uns aos outros? Mais cedo ou mais tarde eles vão começar a ver a realidade. Eles vão ver a realidade e a ficção começará a evaporar-se.

Nenhuma relação pode satisfazê-lo, porque cada relacionamento começa com uma enorme expectativa, e isso é impossível de preencher. Sim, essa esperança, pode ser preenchida mas somente quando se estiver apaixonado pelo todo. Nada que seja apenas parcial pode fazê-lo. Quando se estiver apaixonado pelo total, quando acontece a fusão com a total, só então haverá satisfação. Vai haver ninguém para estar satisfeito, haverá simplesmente satisfação. E, então, ela não terá fim.

Eu sou todo pelo amor, porque o amor falha. Você fica surpreso – mas eu tenho minha lógica. Eu sou todo pelo amor, porque o amor falha. Eu não sou pelo casamento, porque casamento é bem sucedido; dá-lhe uma estabilidade permanente. E esse é o perigo: tornar-se satisfeito com um brinquedo, você tornar-se satisfeito com algo plástico, artificial, feito pelo homem.

(…)

Eu sou todo pelo amor e sou contra o casamento, particularmente o do tipo organizado, porque o casamento arranjado dá satisfação. E o amor? – o amor nunca pode satisfazê-lo. Dá-lhe mais e mais sede de um amor cada vez melhor, fá-lo ansiar cada vez mais por ele, dá-lhe uma enorme insatisfação. E esse descontentamento é o começo da procura de deus. Quando o amor falha muitas vezes, você começa à procura de um novo tipo de amante, um novo tipo de amor, uma nova qualidade de amor. Esse caso de amor é oração, meditação, os sannyas.

Kavita, é bom que o desejo de comuns casos de amor nunca chegue a ser satisfeito. Esse anseio será intensificado mais; nenhuma relação o vai satisfazer. Esses casos de amor comuns vão fazê-lo mais frustrado e nenhumas lágrimas o vão aliviar, não podem aliviar. Elas podem ajudar na altura, mas você voltará a estar cheio de dor e agonia. Nada será alterado por muitos e belos sonhos e aventuras, nada mudará. Contudo, eu digo que passe por isso. Nada será alterado, mas você será mudado ao passar por todos esses sonhos e belas aventuras. Nada será alterado no mundo.

Pense bem, Kavita, esta pergunta surgiu em si. Isso é uma mudança. Quantas pessoas há que se colocam este tipo de questão? Esta pergunta não é uma pergunta comum; não é pura curiosidade. Eu posso sentir a dor, a agonia; eu posso sentir suas lágrimas, eu posso ver suas frustrações nela, eu posso ver toda essa infelicidade e sofrimento por que deve ter passado. É quase palpável.

Nada muda no mundo. Mas, de queda em queda, algo muda em você - e isso é revolução. Até mesmo colocar uma pergunta desta natureza significa que está à beira de uma revolução. Então, é necessária uma nova aventura. As velhas aventuras falharam e é necessária uma nova - não no sentido de que você tem que procurar um outro homem ou uma outra mulher - uma nova, no sentido de que tem que procurar em uma nova dimensão.
Essa dimensão é a dimensão do divino.

Eu digo-lhe: estou preenchido e contente. Não por qualquer relacionamento no mundo, não por qualquer caso de amor no mundo, mas ter um romance com a existência inteira preenche-nos totalmente. E quando uma pessoa está preenchida, começa a transbordar. Não pode conter sua própria satisfação. Ela é abençoada, e é tão abençoada que começa a abençoar os outros. É tão abençoada que se torna uma bênção para o mundo.
Aos interessados que chegaram até aqui na leitura, pergunto, se lhes restam neurónios: Concordam? Discordam? Querem comentar?

quinta-feira, outubro 14, 2010

REFLEXÕES NO CAIS DAS COLUNAS, COM A AJUDA DO OSHO


Fim do Verão, e a minha telha levou-me a assistir ao Pôr-do-Sol no velho Cais das Colunas.

Então não é que o fotógrafo dum casamento se lembrou de levar os noivos para esse belo cenário? E os noivos lá foram fazendo as mil e uma poses do costume, ela vaporosa no seu vestido beije (?!), ele, impecável no seu fatinho cor de rato e gravata beije também. Clichés sobre clichés, quadros e quadros daqueles que, juntos com cestos de flores, recebemos às dúzias nos nossos perfis em sites sociais. Mas enfim, os noivos e fotógrafo lá prosseguiam nesse espectáculo.

Talvez por estar triste nesse dia, não pude deixar de pensar: Será que eles estão a fazer aquelas cenas de paixão (beijos à cinéfila e tudo) convictos, ou é só para a fotografia? Desejei que aquilo fosse mesmo paixão e assim sendo, até lhes perdoaria estarem ali a poluir aquele belo Pôr-do-Sol. Mas não pude deixar de pensar: Quanto tempo vai durar essa paixão? Que sofrimento futuro não se está a construir…?

Nessa noite, caiu-me do céu um texto do OSHO - poderão ler o original em inglês, aqui:
http://www.osho.com/library/online-library-relationship-satisfy-master-5d91756a-ff7.aspx
Era o que eu precisava de ler. De náusea, por um lado, mas, ao mesmo tempo, arrebatador. Era a transcrição duma conferência do OSHO, em que ele respondia às perguntas da assistência. Uma pessoa, Prem Kavinda, põe-lhe a questão:

O QUE É ESTE ANSEIO EM MIM QUE NENHUM RELACIONAMENTO PODE SATISFAZER, QUE NÃO HÁ LÁGRIMAS QUE ALIVIEM, QUE NÃO É ALTERADO POR MUITOS E BELOS SONHOS E AVENTURAS?

A resposta, com a qual me identifico (quase) totalmente, é dum realismo atroz, mas explica muita coisa e aponta uma saída sublime. De algum modo, reconfortou-me. Aqui vai a tradução:

"Prem Kavita, é assim, não só consigo, mas com qualquer pessoa que tenha um pouco de inteligência. Isso não é sentido por gente estúpida, mas a pessoa inteligente está, mais tarde ou mais cedo, condenada a tropeçar com o facto - e quanto mais inteligente for, tanto mais cedo vai acontecer – de que nenhum relacionamento a pode satisfazer.

Porquê? - porque cada relacionamento é apenas uma seta de indicação para a relação final; é um marco, não é uma meta. Cada caso de amor é apenas um sinal indicativo para um caso de amor maior lá mais para a frente – é apenas um gostinho, mas esse gostinho não vai saciar sua sede ou satisfazer sua fome. Pelo contrário, esse gostinho fará com que você fique ainda mais sedento, vai fazê-lo mais faminto.

É o que acontece em todas as relações. Ao invés de o satisfazer, dá-lhe uma enorme insatisfação. Cada relação falha neste mundo - e é bom que falhe; teria sido uma maldição se não fosse assim. É uma bênção esse falhar. Porque cada relacionamento falha, você começa a procurar o relacionamento supremo com Deus, com a existência, com o Cosmos.

Você vê a futilidade uma e outra e outra vez, que não se vai ver satisfeito por nenhum homem, por nenhuma mulher; que cada experiência acaba numa enorme frustração, começa com uma grande esperança e deixa-lo no grande desespero. É sempre assim, chega num grande romance e termina num gosto amargo. Quando isso acontece uma e outra vez, tem que se aprender algo - que cada relacionamento é apenas uma experiência para o preparar para a relação final, para o supremo caso de amor.

É disso que trata a religião. Você diz: "O que é este anseio dentro de mim que nenhuma relação consegue satisfazer"? É o anseio por Deus. Pode ter consciência disso, pode não ter. Poderá ainda nem ser capaz de expressar, exactamente o que é, porque no início é muito vago, nublado, cercado por grande névoa. Mas é o anseio por Deus, é o desejo de fundir-se com o todo, para que acabe a separação.

Você não se pode unir com um homem ou uma mulher para sempre, a separação terá que acontecer. Essa fusão só pode ser momentânea e depois que esse momento passa, você fica numa profunda escuridão. Depois que o flash, que o relâmpago, se foi, a escuridão vai ser ainda maior do que dantes. É por isso que milhões de pessoas decidem não entrar em qualquer relacionamento amoroso - porque pelo menos uma pessoa fica habituada à escuridão e, se não conheceu outra coisa, tem uma certa satisfação: Acha que a vida é assim, que não há nada mais do que isso, portanto não há nenhuma insatisfação.

Uma vez que você tenha provado o amor, uma vez que você tenha vivido esses momentos de alegria, dessa tremenda pulsação quando duas pessoas já não são dois.... Mas você cai uma vez e outra dessas alturas; e de cada vez que cai, a escuridão é muito mais escura do que dantes, porque agora você sabe o que é luz.

Agora você sabe que existem esses picos elevados, agora você sabe que a vida tem muito mais para lhe oferecer, que esta existência mundana de ir ao escritório todos os dias e voltar para casa e comer e dormir - que essa existência mundana não é tudo, que esta existência mundana é apenas a entrada do palácio.

Se você nunca foi convidado a entrar e tem vivido sempre no lado de fora da porta, então, você acha que isso é o que a vida é, vive no alpendre. Uma vez que uma janela é aberta e você pode ver o interior do palácio - a sua beleza, a sua grandiosidade, o seu esplendor — ou quando é convidado a entrar um bocadinho e logo posto para fora mais uma vez, então o alpendre já não pode satisfazê-lo. Agora este alpendre passa a ser um fardo pesado no seu coração. Agora você vai sofrer, sua agonia vai ser grande.

Esta é a minha observação, que as pessoas que são muito pouco criativas andam mais satisfeitas do que as pessoas que são criativas. A pessoa criativa fica muito insatisfeita, porque sabe que muito mais é possível mas que isso não está a acontecer. Porque não acontece?

A pessoa criativa está constantemente à procura; não pode estar descansado, porque viu alguns relances. Alguma vez se abriu uma janela e ele viu lá para dentro. Como pode ele ficar em paz? Como pode ele sentir-se confortável e aconchegado naquele estúpido alpendre? Ele sabe do palácio, viu o rei também e sabe, "aquele palácio pertence-me, tenho direito a ele desde que nasci”. Tudo que é preciso saber é como entrar no palácio, como se tornar um residente permanente nele. Sim, momentaneamente ele entrou, mas tem sido constantemente posto fora.

Quanto mais sensível uma pessoa é, mais descontente se vê. Quanto mais inteligente, mais descontentamento encontrará. Tem sido sempre assim.

Você vem dos países ocidentais para o oriente; vê o mendigo na rua, o trabalhador que transporta lama à cabeça, e sente-se um pouco surpreso: os seus rostos não mostram insatisfação. Eles não têm nada com que andar contentes, mas de alguma forma estão satisfeitos. E os indianos ditos religiosos acham que é por causa da sua religião que eles estão satisfeitos. E os chamados santos indianos gabam-se: "vejam! Os ocidentais têm tudo, a ciência e tecnologia proporcionou ao ocidente toda a comodidade possível, e contudo, ninguém está satisfeito. E no nosso país, as pessoas são tão religiosas que, não tendo nada, estão satisfeitos. Os santos deste país andam a vangloriar-se com isso, mas a sua prosápia baseia-se numa falácia. As pessoas deste país - o povo pobre, o povo ignorante, as pessoas famintas - não estão contentes por serem religiosos, estão contentes porque não têm nenhuma sensibilidade. Eles estão contentes porque não são criativos, estão contentes porque eles nunca vislumbraram nada melhor.

Os ocidentais estão a tornar-se insatisfeitos porque o conforto, as comodidades, tudo o que a ciência lhes tem proporcionado, deu-lhes tanto tempo para explorar, para meditar, rezar, para tocar música, dançar, que alguns vislumbres começaram a acontecer. Eles estão a tornar-se conscientes de que há muito mais na vida do que aparece na superfície, tem que se mergulhar bem fundo.

O oriente é simplesmente pobre - e pobreza faz as pessoas insensíveis, lembre-se. Uma pessoa pobre tem de ser insensível, caso contrário ele não será de todo capaz de sobreviver. Se for muito sensível, a pobreza será demasiado. Ele tem que fazer crescer uma couraça em torno de si mesmo como uma protecção, caso contrário como vai ele sobreviver? Ele tem de se tornar muito cego, só assim ele pode viver num país pobre.

Caso contrário o mendigo está lá, as pessoas doentes estão lá na rua, morrendo: se ele não é insensível, como ele vai conseguir funcionar? Os mendigos vão ensombrá-lo. Ele tem que fechar-se.

Você pode ver isso nas ruas indianas. O visitante ocidental pela primeira vez fica muito admirado: um homem está a morrer na rua e nenhum indiano repara nele, as pessoas continuam a andar. Isso acontece todos os dias.

Quem se começasse a preocupar com isso, não conseguiria tratar da sua vida; eles não têm tempo nenhum para tais luxos. Isso seria um luxo! Eles não podem levar a pessoa para o hospital, não têm tempo para isso. Se eles começassem a ser tão compassivos começariam a morrer eles próprios, porque quem iria ganhar para sustentar a sua família? Eles têm de tornar-se completamente cegos e surdos. Eles continuam a andar como zombies, nada vendo. O que quer que aconteça à sua volta não tem nada a ver com eles, não tem nada a ver com isso; cada um está a sofrer o seu próprio karma.

O mendigo morrendo na rua está sofrendo de seu próprio karma - talvez ele tenha sido um assassino na vida passada. Você não precisa de se preocupar com ele, na verdade, você deve estar feliz por ele estar sofrendo de seu karma; assim o seu karma chegará ao fim. No seu próximo nascimento ele nascerá com rei, ou algo assim – tudo belos raciocínios para se manter cego, insensível.

É muito difícil para o pobre ter algum sentido estético, ele não pode dar-se a esse luxo. Se ele tem sentido estético, então ele vai sentir muito a sua pobreza, que se tornará insuportável. Ele não pode ter um sentido de higiene, ele não pode ter um sentido de beleza. Ele não se pode dar ao luxo de ter essas coisas – de que serve ter essas sensibilidades? Seria uma tortura, uma tortura constante. Ele não seria capaz de dormir na sua casa degradada com todos os tipos de sujidade, com todo tipo de coisas estragadas - são as únicas coisas que tem! Ele parece estar muito satisfeito - ele tem de estar; ele não se pode dar o luxo da insatisfação.

Não tem nada a ver com religião, lembre-se. Todas as pessoas pobres estão satisfeitas, sem excepção. Você pode ir para a África e vai encontrar as pessoas pobres satisfeitas; eles são ainda mais pobres do que indianos e sua satisfação é muito mais profunda. Você pode ir a tribos indígenas indianas, que são os mais pobres do mundo, mas você vai ver em seus rostos uma particular satisfação, como se não houvesse nada de errado, como se tudo estivesse certo. Eles têm de acreditar que está tudo certo, eles têm que constantemente se auto hipnotizar para ver que está tudo bem; caso contrário como seriam eles capazes de dormir, capazes de comer?

Uma vez que um país se torna rico, torna-se sensível. Uma vez que um país se torna rico, influente, toma conhecimento das muitas, muitas dimensões da vida que sempre estiveram lá, mas não se tinha tempo para ver. O país rico começa a pensar de música, pintura, poesia e, finalmente, meditação - porque a meditação é o último luxo. Não há nenhum luxo maior do que a meditação. Meditação é o último luxo, porque é o último caso de amor.

É bom, Kavita, que os seus relacionamentos não o satisfaçam. Os indianos estão muito satisfeitos, porque na verdade, eles não têm nenhum relacionamento de todo. Casamento, não tem nada a ver com um relacionamento. Os pais decidiram com os astrólogos e quiromantes. Não tem nada a ver com as pessoas que se vão casar; elas não são sequer ouvidas, simplesmente são colocadas numa determinada situação em que começam a viver juntos. Isso não é um relacionamento.

Eles poderão produzir as crianças, mas isso não é amor: não há nada de romance. Mas uma coisa isso tem de bom: é muito estável. Quando não há nenhum relacionamento não há nenhuma possibilidade de divórcio. O divórcio é possível somente se houver amor. Tente compreender-me: o amor significa grandes esperanças, o amor significa "eu cheguei". O amor significa "eu encontrei a mulher ou o homem". O amor significa a sensação de que "nós somos feitos para um o outro". Amor significa que já não há nenhuma necessidade de procurar mais.

Se você partir dessas grandes esperanças, quando a lua de mel acaba, a relação acabará. Aquelas grandes esperanças não podem ser cumpridas por seres humanos. Você espera que a mulher seja uma deusa: não é. Ela espera que o homem seja um deus; ele não é. Então, quanto tempo podem se ir iludindo uns aos outros? Mais cedo ou mais tarde eles vão começar a ver a realidade. Eles vão ver a realidade e a ficção começará a evaporar-se. Nenhuma relação pode satisfaze-lo, porque cada relacionamento começa com uma enorme expectativa, impossível de preencher. Sim, essa esperança, pode ser preenchida mas somente quando se estiver apaixonado pelo todo. Nada que seja apenas parcial pode fazê-lo. Quando se estiver apaixonado pelo total, quando acontece a fusão com a total, só então haverá satisfação. Não vai haver ninguém para estar satisfeito, haverá simplesmente satisfação. E, então, ela não terá fim.

Eu sou todo pelo amor, porque o amor falha. Você fica surpreso – mas eu tenho minha lógica. Eu sou todo pelo amor, porque o amor falha. Eu não sou pelo casamento, porque o casamento é bem sucedido; dá-lhe uma estabilidade permanente. E esse é o perigo: tornar-se satisfeito com um brinquedo, você tornar-se satisfeito com algo plástico, artificial, feito pelo homem.

É por isso que no Oriente, em particular, na Índia… É um país muito antigo e os países antigos tornam-se sabidos, da mesma maneira que as pessoas velhas são sabidas. Espertamente, este país adoptou o casamento em crianças porque quando uma pessoa é adolescente começa a aparecer a esperança - desejo, romance, poesia; E então será complicado. A melhor maneira que a Índia arranjou foi o casamento infantil, o casamento de crianças. Elas não sabem o que é o casamento – Nem sequer têm esse desejo – O sexo ainda não amadureceu neles. Vamos casá-los!

Pensem bem – uma menina de três anos casada com um menino de cinco. Agora eles vão crescer juntos, tal como os irmãos e irmãs crescem juntos. Já alguma vez desejou divorciar-se da sua irmã? Acho que ninguém se divorcia da própria irmã. Não é preciso. Está garantida a relação. Todos acham a própria mãe boa, bonita; A própria irmã, bonita, o próprio irmão bonito. Estas coisas são dados adquiridos.

Há apenas um relacionamento que tens a liberdade de escolher : o teu cônjuge, a tua mulher, o teu homem. Na Índia até essa liberdade destruímos. Maridos e mulheres são dados, tal como os irmãos e irmãs. E quando se cresceu juntos anos e anos, desenvolve-se um certo tipo de amizade, um certo tipo de associação. Acostumam-se um ao outro.

Isto não é uma relação, isto não é amor. Mas a Índia optou pela estabilidade – e uma velha nação sabe perfeitamente que o amor nunca pode ser estável. Optar-se pelo amor é optar-se por complicações.

No Ocidente o amor tornou-se cada vez mais importante e, com isso, todo o tipo de problemas apareceu. A família está a desagregar-se, a desaparecer mesmo. As pessoas estão a mudar de marido e de mulher tantas vezes que tudo parece estar mesmo num caos.

Ouvi falar de uma actriz de Hollywood que casou pela trigésima primeira vez. Três dias depois ela apercebeu-se de que esse homem já tinha sido seu marido antes. Agora até lembrar-se de todas essas vezes… As pessoas mudam, o seu aspecto muda. Mas isso não pode acontecer na Índia. Até depois de morrer a sua esposa se lembrará de si. Nem em vidas passadas se poderá escapar, não há fuga possível.

Eu sou todo pelo amor e sou contra o casamento, particularmente o do tipo organizado, porque o casamento arranjado dá satisfação. E o amor? – o amor nunca pode satisfazê-lo. Dá-lhe mais e mais sede de um amor cada vez melhor, fá-lo ansiar cada vez mais por ele, dá-lhe uma enorme insatisfação. E esse descontentamento é o começo da procura de Deus. Quando o amor falha muitas vezes, você começa à procura de um novo tipo de amante, um novo tipo de amor, uma nova qualidade de amor. Esse caso de amor é oração, meditação, os sannyas.

Kavita, é bom que o desejo de comuns casos de amor nunca chegue a ser satisfeito. Esse anseio será intensificado mais; nenhuma relação o vai satisfazer. Esses casos de amor comuns vão torná-lo mais frustrado e nenhumas lágrimas o vão aliviar, não podem aliviar. Elas podem ajudar na altura, mas você voltará a estar cheio de dor e agonia. Nada será alterado por muitos e belos sonhos e aventuras, nada mudará. Contudo, eu digo que passe por isso. Nada será alterado, mas você será mudado ao passar por todos esses sonhos e belas aventuras. Nada será alterado no mundo.

Pense bem, Kavita, esta pergunta surgiu em si. Isso é uma mudança. Quantas pessoas há que se colocam este tipo de questão? Esta pergunta não é uma pergunta comum; não é de pura curiosidade. Eu posso sentir a sua dor, a sua agonia; eu posso sentir suas lágrimas, eu posso ver suas frustrações nela, eu posso ver toda essa infelicidade e sofrimento por que deve ter passado. É quase palpável.

Nada muda no mundo. Mas, de queda em queda, algo muda em você-- e isso é revolução. Até mesmo colocar uma pergunta desta natureza significa que está à beira de uma revolução. Então, é necessária uma nova aventura. As velhas aventuras falharam e é necessária uma nova - não no sentido de que você tem que procurar um outro homem ou uma outra mulher - uma nova, no sentido de que tem que procurar em uma nova dimensão.

Essa dimensão é a dimensão do divino.

Digo-lhe: Eu estou preenchido e contente. Não por qualquer relacionamento no mundo, não por qualquer caso de amor no mundo, mas porque ter um romance com a existência inteira preenche-nos totalmente.

E quando uma pessoa está preenchida, começa a transbordar. Não pode conter sua própria satisfação. Ela é abençoada, e é tão abençoada que começa a abençoar os outros. É tão abençoada que se torna uma bênção para o mundo."

QUEREM COMENTAR (QUANTO AO TEXTO EM SI E QUANTO À QUALIDADE DA TRADUÇÃO)?