quinta-feira, dezembro 03, 2009

Mais, sobre o Piet Hein

Comentou a poeta brasileira Belle Neves, na minha postagem anterior:

Gostei dos versos (das rimas que fizeste) embora questione algumas palavras e sentidos - o que não cabe aqui. Tenho para mim que alguns versos não devem ser discutidos ou mesmo entendidos... lemos, aceitamos eles de acordo com o que sentimos... gostamos ou não.”

Bom, não sei, eu sempre tento encontrar um sentido nos poemas. O que acho é que o poeta tem uma visão particular das coisas que custa, por vezes, a entender, exige algum esforço… Por vezes, significará uma visão avançada, quiçá genial, que teremos todo o interesse em compreender. Mas por vezes poderá ser pedantismo do poeta, quando não pura e simplesmente crise de criatividade, oportunismo ou puro vedetismo… O PIet Hein refere precisamente esta questão neste poema que vem mesmo a propósito:


IF YOU KNOW WHAT I MEAN

A poet should be of the
old-fashioned meaningless brand:
obscure, esoteric, symbolic, --
the critics demand it;
so if there's a poem of mine
that you do understand
I'll gladly explain what it means
till you don't understand it.

NÃO SEI SE ‘TÁS A VER…

Um poeta deve ser do tipo antigo,
Obscuro, esotérico, simbólico, sem sentido:
Portanto quando um poema meu vejas
Que julgues compreender
Eu explico-to com todo o prazer
Até que nada dele percebas.

Parece então que o nosso poeta também era a favor da compreensão dos poemas. Aliás, muitos dos seus “grooks” foram escritos durante a ocupação alemã da Dinamarca, na II Guerra Mundial e destinavam-se a incentivar a consciência patriótica dos dinamarqueses e contribuir para a luta de libertação. Esses “grooks” eram então escritos duma maneira algo dissimulada, que custava aos alemães entender, mas que os dinamarqueses bem COMPREENDIAM. Veja-se, como exemplo, este:

CONSOLATION GROOK

Losing one glove
Is certainly painful
But nothing
Compared to the pain
Of losing one
Throwing away the other
And finding
The first one again


GROOK DE CONSOLAÇÃO

Perder uma luva, dói
Mas coisa ainda mais sofrida
É deitar a outra fora e depois
Achar a que andava perdida…!

Como se poderá interpretar este poema? Ele é MESMO para ser compreendido! Aqui o poeta queria alertar aqueles dinamarqueses que, perdida a independência do seu país e considerando a situação irreversível, colaboravam com o ocupante: Na verdade, a independência perdida poderia ser recuperada e então os traidores sofreriam amargamente…!

… Faz-me lembrar certos “Revolucionários” em Portugal da altura do 25 de Abril de 1974, que, extinta a revolução ainda em criança, se viraram para a classe dominante e a têm servido com despudor, e muito proveito.
Vejamos como vai ser, quando o povo português achar a sua “luva” perdida…

Entretanto, aqui vão mais uns poemas e as minhas respectivas traduções. Pergunto: Como poderia traduzir bem estes poemas se os não compreendesse?

GROOK ON LONG-WINDED AUTHORS

Long-winded writers I abhor,
and glib, prolific chatters;
give me the ones who tear and gaw
their hair and pens to tatters:
who find their writing such a chore
they only write what matters.

POEMA SOBRE OS ESCRITORES DE GRANDE FÔLEGO

Loquazes e prolíficos palradores
E escritores de fôlego, detesto-os;
Dêem-me os sofredores
Que arrepanham os cabelos, as plumas em farrapos
Para quem escrever é tão extenuante
Que só escrevam sobre o que é importante

Mais outro:

MORE HASTE --
Inscription for a monument at the crossroads.

Here lies, extinguished in his prime,
a victim of modernity:
but yesterday he hadn't the time --
and now he has eternity.


MAIS DEPRESSA –
Inscrição para um monumento num cruzamento


Morto na flor da idade, aqui jaz,
Uma vítima da modernidade:
Ontem, o seu tempo era fugaz
E agora é a eternidade


Interessante, onde nos levou o comentário da Belle Neves, né? Esperemos que a Belle avance com mais criticas e opiniões e que isto suscite ainda mais comentários!

2 comentários:

jorge vicente disse...

adoro estes poemas, álvaro!!!!

um grande abraço
jorge

Cibele Neves disse...

Olá Álvaro!
Obrigada pelo convite para expor minha opinião, relacionada ao comentário anterior que fiz!

Normalmente procuramos encontrar sentidos nos versos que lemos, sim! E estes sentidos são nossos, e não quer dizer que sejam os mesmos sentidos do autor. É o que costumamos fazer com uma obra de arte, uma pintura, uma escultura. - O que a arte expressa é o que sentimos, e este sentido é individual, assim acontece com a poesia, que também é arte.

Falando sobre os versos do poeta Piet Hein, estes são históricos, eles foram criados para que houvesse mesmo o entendimento que o autor gostaria, tanto que ele mesmo diz, em tua tradução:
"Portanto quando um poema meu vejas
Que julgues compreender
Eu explico-to com todo o prazer
Até que nada dele percebas."
Havia um objetivo para que fossem entendidos alguns de seus versos, principalmente os relacionados à guerra, como foi postado em teu blog, e que não reproduzirei.

Do poeta, a princípio, eis um dos quais eu questionaria:
"A alma pode ser mera ilusão
A mente, tão sem razão
Vamos então dar ouvidos
Ao que dizem os sentidos."

A alma sendo mera ilusão (talvez porque não a enxergamos?)... vamos dar ouvidos ao que dizem os sentidos...- ao que vemos, ao que tocamos, ouvimos, enfim ao que sentimos. E o que eu sinto nem sempre ou quase nunca é o que o outro sente. Onde ficam localizados nossos sentidos, nossos sentimentos??? No corpo? Na alma? (E outros tantos questionamentos que daí surgiriam...)

Temos naturalmente, pelo curso de nossa história de vida, interpretações diferentes das coisas. Assim como acreditamos ou não em diversas coisas.
Então, quando coloquei que alguns versos não devem ser discutidos ou mesmo entendidos, foi pensando em privilegiar o sentido real do verso, embora o mesmo transmita um sentido pessoal, entendido de forma pessoal. O valor da obra por sua expressão.

Bom, espero ter clareado minha opinião e não ter sido confusa.

Um grande abraço, amigo poeta!


Belle Neves