Sobre a Minha Guerra Colonial
No “Yahoo Answers” perguntaram sobre a Guerra Colonial. Ofereci-me para dar a minha versão, mandaram-me um questionário, deu isto. Como achei que o assunto era polémico, resolvi publicar, para ver se o pessoal alinha. Aqui vai:
Entrevista:
P: - Como se vivia em Portugal em período de guerra?
Os anos 50 conduziram a uma gradual melhoria de vida nas cidades, determinando um fluxo do mundo rural para a costa. Também marcam o início da emigração para a Europa, principalmente para Alemanha e França. Nos anos 60 já existia uma pequena burguesia urbana que, embora com sacrifício, conseguia por os filhos a estudar, alguns chegando à Universidade. Esses jovens tinham a ameaça da guerra colonial a pairar sobre as suas vidas. Eram contra a ditadura e contra a guerra!
P. – Entrou na guerra certo? Então como reagiu a sua família?
Entrei na guerra, tal como todos os jovens da minha idade. O serviço militar era obrigatório e aqueles que não fugiam para o estrangeiro eram mobilizados para servir nos três teatros de guerra: Guiné, Angola e Moçambique. A perspectiva de ir para a guerra era dramática: Ninguém empregava um jovem que não tinha cumprido o serviço militar: Nenhuma menina queria namorar um jovem em vias de embarcar…rs!
As ideias pacifistas e democráticas entravam em conflito imediato com a perspectiva de servir numa guerra da iniciativa do regime ditatorial de então.
P: -Em que colónia portuguesa prestou serviço militar?
Em Angola, como alferes sapador.
P: -Em que ano «foi mobilizado» (isto é, partiu para essa colónia)?
Entrei para a recruta em Outubro de 1967, embarquei em Outubro de 1968 e regressei em Novembro de 1970
P: -Que idade tinha?
Em Novembro de 1970 fiz 24 anos.
P: -Quanto tempo lá permaneceu?
Cumpri 2 anos e 1 mês
P: -Em que lugares esteve «colocado»?
Estive inicialmente em Zala (zona de floresta equatorial a Norte de Luanda) e no segundo ano, em Catete (savana, perto de Luanda).
P: -Esses lugares eram zona de guerra?
Zala era zona 100% operacional. Catete era zona pacificada, embora sujeita a ataques esporádicos.
P: -Havia muita diferença entre o armamento e o equipamento dos portugueses e o dos guerrilheiros?
Em
Angola e em Moçambique, os guerrilheiros estavam mal armados. Na Guiné,
os guerrilheiros tinham armamento sofisticado, incluindo mísseis
terra-ar, ameaçando praticamente derrotar o exército português.
P: -Participou nalguns combates?
Como sapador, as minhas funções eram de lançamento de campos de minas defensivos e levantamento de minas e armadilhas, construção de estradas, pontes e instalações diversas. Sofri no entanto alguns ataques, sendo um particularmente grave pois fiquei sobre o fogo directo dos “terroristas” – nome dado então aos guerrilheiros, chamados de “Turras” pelos tropas.
P: -Se sim: Pode descrever algum dos combates em que participou?
O ataque mais grave que sofri deu-se nas imediações do quartel, numa colina a cerca de 500 metros da vedação de arame farpado.
Fui surpreendido quando descia, desarmado, ao encontro dos meus soldados que foram apanhar lenha para fazer a comida. Ouvi um primeiro Ziim-PAC Pum – tiro que bateu bem perto! Corri desesperadamente colina acima procurando abrigo, perseguido por mais três Ziiim-PAC Pum, correspondentes a mais três tiros que acertaram no chão, a cerca de 1 metro de mim. Sorte os guerrilheiros terem má pontaria, pois estavam emboscados a cerca de 250 metros! Como resposta, os soldados de sentinela começaram a disparar freneticamente e eu, no meio daquilo, receando ser apanhado pelos dois fogos, atirei-me para um buraco e lá fiquei até que os nossos soldados me foram buscar! Ninguém sai desta experiência igual ao que era dantes…!
P: -O que o impressionou mais na guerra colonial?
A contradição entre a beleza da floresta e os perigos que ela escondia; O facto de a maior parte das mortes ser devida a acidentes – das 11 mortes no nosso batalhão (uns 700 homens) apenas 5 foram devidas à acção directa do inimigo.
P: -Acha que a participação na guerra colonial influenciou a sua vida?
Sim; a tensão, medo e isolamento a que estive sujeito durante aqueles anos me deprimiram a ponto de andar os 20 anos seguintes a tomar calmantes e anti-depressivos.
P: -Tem fotos da sua permanência no ultramar?
Ver foto a seguir, mostrando os componentes duma armadilha explosiva que eu levantei.
P: - Como se sente depois disto?
Agora, a minha idade me fez perceber muita coisa da vida, da guerra e da paz. Estou tranquilo e sem comprimidos, esperando que um dia o Ser Humano evolua o suficiente para viver sem guerra e sem exploração, tentando fazer o que estiver ao meu alcance nesse sentido.
P: -Pode-me dizer uma visão Global desta guerra?
Hipocrisia! Na verdade, os povos das colónias estão agora pior do que estavam no tempo do colonialismo. A treta do anti-colonialismo foi apenas um estratagema, sob a capa dos mais nobres ideais da autonomia e libertação dos povos, para transferir para as grandes potências o saque e rapina feitos pelos países mais fracos, como, neste caso, Portugal. Agora, o grande capital internacional explora África através de dirigentes africanos corruptos, sem outros países intermediários…
14 comentários:
Gostei muito de ler Àlvaro.
Nasci em 1969.
Gostaria de te 2ouvir" mais.
Um beijinho
Ana
Tocante e lúcido.
Beijos
C
Ola meu lindo...
Fiquei impressionada com que li...a guerra é algo que não deveria existir...só quem realmente esteve lá que pode descrever tão bem as dores passadas, e as cicatrizes que deixam no corpo e na alma... e como vc mesmo disse por nada...
Um bj...desta sua admiradora
Pacifista que sou, jamais consegui aceitar que se precise de guerras para atingir objetivos, sejam eles políticos, econômicos, sociais, religiosos...
E, mãe de filhos homens, fico imaginando esse jovem de 22 anos,como tantos outros, retirado da sua família e do convívio com os amigos, de sua carreira profissional, de seus sonhos... em nome de que mesmo???
Pode-se dizer que alguma guerra compensou o sofrimento e as mortes que provocou???
Parabéns pela lucidez do texto,
Márcia.
Camarada
Compreendo-te!
Embora não estivesse envolvido numa cenário de guerra de natureza militar/bélica ( nem este post ousa compará-lo), também eu durante alguns anos "combati na "selva" da multifacetada cidade de Lisboa. Perigos? Não vale a pena agora enunciá-los, nem ainda adianta muito recordar aqueles que de forma involuntária ou voluntária deixaram o mundo mas não a minha memória.
Para nós não existe stress pós traumático, nem sequer stress. Existe a mais alta taxa de suicídio num grupo profissional, o maior numero de baixas por problemas psiquiátricos, fora os comportamentos aditivos e disruptivos dos que sofrem em silêncio. A dor mitiga-se de muitas formas, não é?!
Já chega!
Abraço
Abraço
Camarada
Camarada,compreendo-te!
Embora não estivesse envolvido numa cenário de guerra de natureza militar/bélica, também eu durante alguns anoss "combati na "selva" da multifacetada cidade de Lisboa. Perigos? Não vale a apena enunciá-los, nem ainda adianta muito recordar aqueles que de forma involuntária ou voluntária deixaram o mundo mas não a minha memória.
Para nós não existe stress pós traumático, muito menos stress que seja. Existe a mais alta taxa de suicídio num grupo profissional, de baixa por motivos psiquiátricos, fora os comportamentos aditivos e disruptivos dos que sofrem em silêncio.
Bem, já chega daquilo que poucos percebem.
Abraços
Abraço
Oi Alvaro,
Impactante teu depoimento.....É o primeiro depoimento que leio, de uma pessoa conhecida....difícil imaginar o q. passastes e as consequencias....
Parabéns pela coragem de fazer o relato. Nos faz refletir e não ter a menor dúvida da estupidez de uma guerra!!!!!
Bjs.
Alvaro
É importante que os mais novos, hoje, sintam o que se passou em África.
Gostei das tuas respostas.
Não sei, não, mas qualquer dia estaremos metidos noutra guerra talvez por motivos diferentes, mas sempre pela ambição, pela competição entre países, pelo "maldito" petróleo!
Vivi esse período aqui em Lisboa, só sei que, fomentava na mente dos meus três rapazes, admitindo essa dor imensa da perda deles, que desertassem...
Obrigada pelo que escreves.
Sou a Helena (Cidade Nua)
Hoje, percorrendo, por acaso, as páginas da "net" dei com o seu depoimento de guerra colonial.
Eu, que sempre vivi em Angola, gostei muito das suas palavras sobre o assunto... SÃO VERDADEIRAS e porque sempre foi o modo como vi Angola e como tudo se processou!... tanto aqui como lá (nas ditas colónias), onde se vivia muito melhor que cá e, apesar de tudo, os "angolanos" viviam muito melhor que hoje - sobre todos os aspectos, apesar de haver algumas "coisas" a limar... tanto cá como por lá.
Álvaro!
Há necessidade de maior e mais fiel informação sobre a instabilidade actual em África.
Regressei de uma viagem, por terra,à Guiné-Bissau.
Foi a 6ª Missão e a mais complicada de concluir.
Para além da constante intimidação com armas automáticas, sucedem-se os controles e a tentativa de extorquir dinheiro e bens; enfim, um barril de pólvora com rastilho longo.
Hipocrisia! Sim! o último parágrafo é a triste realidade. Os cartéis cada vez mais ricos, os pobres cada dia mais miseráveis.
Na Guiné sobrevive-se com uma ração diária de arroz, num país destruído e sem perspectiva a curto prazo.
A vossa guerra, o vosso sacrifício não valeu a pena!
E pergunto-me: será que vale a pena tentar ajudar?
Um forte abraço de admiração.
Leonor
Olá
Gostei, gostei mesmo!
Como voluntáriamente obrigada, tb passei por Angola de 70 a 72, acompanhando um capitão miliciano e 2 crianças de 2 e 3 anos.Só p. quem por lá passou, pode sentir as tuas palavras que retratam bem o trauma que deixou e principalmente a hipocrisia encoberta dos politicos de antes e depois.
Nem vitória nem melhoria só vidas perdidas e outras sofridas.
Foi a marca de uma geração.
Parabens.
MG
Álvaro
Vieram-me parar novamente aos olhos, estas tuas respostas.
Com o tempo, também, gosto do teu modo honesto da visão da guerra colonial.
Era tão claro nessa época, essa guerra não ser nossa, o vosso sacrifício não valeu a pena! Fez desertar as aldeias e vilas dos jovens promissores de Portugal também tão conturbado e com miséria. Gostava que escrevesses mais sobre a tua visão global, associando com o "hoje", concordo com o que dizes. A emancipação dos povos Africanos, aconteceria mais devagar mas com os códigos deles, não aculturados. Não entendo muito bem sobre as lutas entre as facções que já lá existiam. Manipuladas já, pelo capitalismo? Quando te apetecer escreve mais.
Beijinho.
Helena
Já tinha lido, e continuei a ler.
Emocionante, confesso que as lágrimas caíam pelo meu rosto.
Quem passou por tudo isto nunca pode ficar a mesma pessoa.
Simplesmente continuar a viver e se possível esquecer (acredito não é fácil), uma coisa positiva no meio disto tudo tiveste um anjo que te protegeu de todo o perigo e te trouxe de volta para a tua família.
Apesar de tb vires acompanhado com o trauma que te levou 2o anos a ver-te livre dele.
Sê feliz meu querido e amigo Alvarito,vive a vida.
Beijinhos XX
Nelinha
Para além do que está por detrás de qualquer guerra, que são interesses sempre alheios ao bem-estar das populações, e sim a venda ou escoamento de armamento, quase srmpre para serem substituídas por outras mais recentes, a tristeza maior, é a hipocrisia, como dizes, e o povo ficar pior do que antes, como é o caso das ex colónias.
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